O primeiro ponto a destacar nesse texto – como apaixonado por futebol – é que, para um torcedor, pode ser difícil mensurar o valor de uma camisa do time do coração. Mas com os dois maiores clubes cearenses deixando de trabalhar com fabricantes marcas de fora e lançando os próprios selos, surge a discussão se os mantos de Ceará e Fortaleza não são mais caros do que poderiam ser. Com uma média entre R$ 269,90, os uniformes afastam alguns torcedores pelo preço, mas, para especialistas e para os diretores, esses valores têm uma explicação.
O primeiro ponto a se considerar em relação ao preço de um produto de moda, segundo Raquel Medeiros, diretora da consultoria Limonar, é o benchmarking – ou comparação de mercado. Então, se os clubes, no Estado, estão oferecendo preços semelhantes, há um indicativo de que o cenário pode estar em bom estágio de competição.
O caro ou barato depende muito do mercado, do produto e dos custos. A gente, então, não pode considerar só o preço do produto. Dentro de um mercado, a gente sabe que uma camisa gola polo da Lacoste, a gente vai ter um preço de R$ 300, mas com um custo de produção bem mais baixo"
"O markup não é atribuído só ao preço do produto, a gente precisa entender todos os custos, e na moda a gente precisa entender o mercado, os concorrentes e depois a gente vê se a gente consegue lucrar com um certo markup", completou.
A chave é entender o markup, termo usado em economia, de forma resumida, para indicar quanto o preço do produto está acima do seu custo de produção e distribuição.
Nos clubes ouvidos pela coluna (Ceará e Fortaleza), a média do markup fica entre 2.2 e 3.0, representando um preço de custo 1 até 2 vezes menor ao encontrado lojas. Para se ter uma ideia, se uma camisa é vendida e R$ 280 e o markup é de 2.0, o preço de custo para produção é de R$ 140.
Contudo, como explicou Raquel, é preciso analisar os custos relacionados ao restante da operação
"Eu estranhei uma camisa de R$ 200 reais e um markup tão baixo. Um markup de 2 a 3 é um valor até baixo e estão vendendo um valor relativamente barato para o mercado, mas interessante porque eles não têm fábrica, eles trabalham como produção externa e assim sempre gera um custo mais alto", explicou.
Produtos licenciados
A diretora da Limonar ainda ponderou que Ceará e Fortaleza utilizam a estratégia de oferecer diversos produtos licenciados para gerar bons resultados financeiros para a marca. Além de gerar um mix de produtos, o modelo favorece os clientes que ainda desejam se associar às marcas, mas que não tem os recursos para comprar uma camisa oficial.
"O primeiro ponto é saber se eu vou conseguir vender nesse preço e consigo quitar os custos. Mas eles estão considerando a marca do clube, além do fato de ter uma torcida uniformizada. Eles podem estar em um markup mais baixo pela estratégia", disse Raquel.
"Quando eu vou à loja, eu vejo um mix de produtos de Fortaleza e Ceará, então a pessoa tem várias opções. Eles vão tentando colocar um mix para que a camiseta não seja o grande evento isolado da compra, e a base do negócio de moda é o financeiro. Como existem uma torcida, já existe um mercado enorme para eles explorarem e aí esse modelo tem resultados", completou.
O que dizem Ceará e Fortaleza?
Ceará Sporting Club
Segundo o Executivo comercial do Ceará, Ricardo Costa, a precificação das camisas da marca Vozão está fechada em um markup médio entre 2.0 e 2.2 (dado atualizado pelo próprio clube) no produto final.
Outros pontos a serem considerados para o atual preço das camisas do Vovô são o encarecimento de insumos durante a pandemia e a qualidade oferecida nos mantos oficiais, comparáveis a outras marcas multinacionais, segundo Costa.
O diretor ainda afirmou que o clube, dependendo das condições do mercado, poderá realizar possíveis reajustes de preço nos próximos meses.
"Em breve alguns produtos terão reajustes. Um ponto a ser considerado é que a qualidade do nosso produto oficial é melhor que a média do mercado mundial. Não ficamos atrás para grandes marcas multinacionais. Camisas com preços populares: elas podem, sim, trazer uma resposta positiva de lucros. Talvez não seja o resultado ideal, mas entendemos que atrai o torcedor, fazendo com que a torcida acabe consumindo outros produtos do clube", disse.
"Sobre os lucros, para que todos entendam o resultado final, é preciso considerar os custos anteriores de produção, distribuição, custo de lojas, impostos em geral. Depois de toda essa conta, vêm as margens de lucro sobre os royalties, que o clube recebe de fábrica e lojas", completou.
Fortaleza Esporte Clube
Danilo Grangeiro, executivo das Lojas Leão 1918, defendeu que barato ou caro é uma "questão tênue". A qualidade dos materiais oferecidos pelo Tricolor garantiria a valorização dos produtos ofertados, considerando que a tecidos e escudos são importados de outras regiões.
Atualmente, o markup das camisas do Leão do Pici está entre 2.2 e 2.5, segundo Granjeiro.
"Caro ou barato é uma questão tênue. eu não vejo a camisa como cara porque o clube está trabalhando com tecidos mais nobres, produzidos por marcas internacionais, todos os escudos são de fora, assim como o tecido. As fábricas são em Santa Catarina, então há um custo de trazer esses materiais", disse.
"Hoje temos uma marca, onde há 4 anos tínhamos 60 funcionários e hoje temos 420, e vários custos aumentaram. O trabalho no futebol aumentou e as camisas, que estavam em uma média de R$ 129,90 passaram para uma média de R$ 249,90. Mas uma camisa em homenagem ao Pikachu, por exemplo, para colecionador, com apenas mil unidades, esgotou em 24 horas", completou.
Sobre reajustes, o diretor da Leão 1918, afirmou que a intenção é não aplicar atualizações nos preços das camisas, mas as metas anuais e a conjuntura do mercado de confecções, no País e no Mundo, pode alterar essas previsões. Atualmente, as lojas do Fortaleza trabalham com uma rentabilidade anual de 25% como meta, e tiveram um faturamento superior a R$ 30 milhões em 2022.
"O mercado não está preparando, considerando as fábricas, para atender grandes times. O Fortaleza tem uma demanda significativa, e temos uma que atende o Fortaleza e o Ceará, mas essa unidade deixou a desejar, não em qualidade, mas em produto. Sofremos com oferta de mão de obra, também, dependo da costura e é tudo muito manual. O Estado tem um polo muito forte de confecção, mas não estamos preparados para atender ainda essa demanda de grandes de times. A Tradição (camisa nº 1 de jogo), tem uma tiragem anual de 70 mil peças por ano. A maior demanda é no lançamento, com 25 mil, mas precisamos de antecedência muito grande para esse pedido", disse Granjeiro.
"A gente quer segurar os preços em 2023, mas o algodão depende dos preços do mercado de fora, e as coisas ficam mais caras. A gente tenta manter o padrão e os preços, mas o aumento não será abusivo. se tiver, vai ser algo de mercado em torno de 10% e 12%, não sendo nada absurdo", completou.
Mercado popular
Analisando todas as questões de mercado – como markup, concorrência, oferta e demanda atual –, no entanto, Raquel Medeiros ponderou que os clubes cearenses poderiam oferecer versões mais baratas das camisas oficiais, focando no público com poder aquisitivo menor. Segundo ela, essa parcela da sociedade representa um setor relevante das torcidas, quem mais veste os produtos fora dos gramados.
"Não adianta Ceará e Fortaleza terem times muito diferentes um do outro. Quando o Fortaleza faz uma parceria com o Expedito Seleiro, por exemplo, temos uma valorização do produto, uma versão premium porque é comemorativa, que tem um valor agregador maior. Isso pode gerar um lucro melhor. Mas o caro e o barato é relativo", disse.
"Dentro dessas lojas de time, seria interessante existir produtos baratos para atender as pessoas que não têm como pagar o valor de uma camisa com tecido mais nobre ou semelhante a dos jogadores. É preciso ter um produto que não seja tão caro, e pensar em uma linha mais acessível, até porque a torcida poderia se vestir daquilo. Falta isso no mix deles", completou.
Vale ressaltar que a coluna adiantou com exclusividade que o Fortaleza já está estudando lançar uma "versão fã" das camisas oficiais.