'O Dilema das Redes' traz discussão preocupante sobre influência das redes nos modos de vida atuais

Documentário foi lançado pela Netflix nas últimas semanas e gerou repercussão nas próprias redes sociais

Legenda: Para especialistas entrevistados no documentário, o modelo de negócios proposto pelas redes sociais tem impactado na vivência dos usuários em diversas decisões, quadros graves de depressão e, além disso, possibilitado a disseminação frequente de notícias falsas
Foto: Foto: reprodução/Netflix

Difícil prever por quanto tempo seguiremos com o estilo de vida com o qual compactuamos atualmente. Tecnologicamente falando, neste caso. Esse é um dos pontos principais discutidos ao longo do documentário ‘O Dilema das Redes’, lançado recentemente pelo serviço de streaming Netflix e que se espalhou, isso mesmo, nas próprias redes sociais entre publicações, críticas, espanto ou pura e simplesmente descoberta.

Em pauta, questões como o modelo de negócios mantido pelas empresas responsáveis por gerir as tais grandes redes sociais, discussões sobre o estímulo psicológico usado pelas mesmas e até como isso tudo tem afetado o desenvolvimento das novas gerações. Mesmo sem trazer nada revolucionário, visto que muito já se discutiu sobre esse assunto até então, o documentário dirigido por Jeff Orlowski consegue atualizar as novas preocupações nascidas a todo instante enquanto a vida passa por nossas telas com rolagem infinita. 

É justamente na forma de contar que o documentário consegue reacender o assunto de uma forma diferente, sendo capaz, inclusive, de despertar medos reais sobre as consequências do modo de operação por trás de algo vendido como “inofensivo”. Se nossas redes são utilizadas meramente com o intuito de suprir as interações sociais, tão características da nossa espécie, porque estamos cada vez mais viciados a elas? Para responder perguntas como essa, ‘O Dilema das Redes’ se cerca de todo o aparato possível para reforçar as ideias discutidas em cena, com nomes que estiveram por trás do engrandecimento de gigantes como Google, Facebook, Pinterest ou Instagram. 

Por aí, é Tristan Harris, ex-funcionário do maior site de busca do mundo, que chega a ser quase um protagonista, “porta-voz” das questões preocupantes abordadas dentro do material. Hoje presidente e co-fundador do Center for Humane Technology, Harris trabalhou como especialista em ética de design no Google e é retratado como um dos principais questionadores sobre o modelo de negócios utilizado para lucrar na internet atualmente. Ao se auto-denominar “viciado em e-mail”, o especialista levanta temas como a influência de ferramentas tecnológicas na tomada de decisões e como a venda de publicidade permeia cada clique dado por todos nós nesse processo.

Talvez seja justamente esse o combo certeiro do documentário: personagens importantes e narrativa fluida, na qual até mesmo o mais leigo dos usuários da internet se enxerga. Para além dos depoimentos, o roteiro de Jeff Orlowski, Davis Coombe e Vickie Curtis aposta em ilustrações, que refazem a memória de alguns dos entrevistados, e em uma pequena história, a da família de Ben (Skyler Gisondo), para se fazer entender por meio de um exemplo. Dessa forma, ao mostrar como os assuntos discutidos podem se manifestar verdadeiramente, o documentário chega a deixar o medo das redes cada vez mais pulsante. 

Utopia e distopia

No meio dessa exposição, temas como as fake news que cercam assuntos sérios como a Covid-19 e as ameaças constantes à democracia em todo o mundo não poderiam deixar de estar presentes. O pecado nesse ponto talvez seja não aprofundar e apontar onde está realmente a culpa. Afinal de contas, quando se sabe o cerne dos problemas, porque não há mobilização alguma para resolvê-los? Se você, como eu, é daqueles quase pessimistas quando o assunto é a humanidade, o pensamento de que o lucro e a possibilidade de controle ainda são os objetivos principais será, sem dúvidas, o crescente. 

As eleições norte-americanas de 2016 são citadas como exemplo para trazer à tona a responsabilidade dos que estão com as mãos na tecnologia atual. A negligência em meio aos problemas das notícias falsas, tão discutidas desde o ano citado acima, e de como elas têm afetado a percepção dentro das redes é apontada por vários dos entrevistados. No entanto, para o espectador a sensação talvez seja de que o tema precisa de mais ação diante de algo em desenvolvimento com força bruta diante de nossos olhos. Quando as regulamentações de conteúdo e combate ao discurso de ódio serão finalmente colocadas em prática? Parece um cenário sem luz no fim do túnel.

Diante disso, ainda que o medo e a vontade de abandonar as redes sociais apareçam a quem está assistindo, no fim as mãos aparentam estar atadas, justamente pelo fato de que não apenas as empresas são as únicas culpadas. Parece simples apontar um ou dois culpados para o modelo atual de consumo na web, como o documentário acaba fazendo em alguns momentos. No entanto, o difícil talvez seja deixar explícito como a questão envolve fatores diversos, que se confundem, e está longe demais de ser resolvida.