Dark chega ao fim e desata nó com maestria em arco principal da série

Preparado para mergulhar nas reflexões da série alemã? Pois fique atento para a resenha COM SPOILERS

Legenda: Dessa vez, Jonas (Louis Hofmann) continua sendo peça importante para o nó, mas divide o protagonismo com Martha (Lisa Vicari)
Foto: Reprodução/Netflix

Até que ponto nosso livre-arbítrio nos move? Em que momentos o destino nos carrega? Essas perguntas poderiam facilmente fazer parte de um debate filosófico, daqueles ensaiados entre alunos ansiosos por discutir o cerne da vida humana. No entanto, surgem aqui como as duas perguntas simples, utilizadas para uma jornada no entretenimento, e que movem o episódio inicial da terceira temporada de Dark, a série alemã da Netflix que estreou em 2017 e, desde então, mistura viagens no tempo, paradoxos complexos da física e discussões sobre os desejos mais profundos do ser.

Dito assim, parece pretensioso, e não deixa de ser verdade. Agora, na derradeira temporada, lançada dia 27 de junho após duas anteriores e 18 episódios, a história criada por Baran bo Odar e Jantje Friese tenta desatar um nó: não só aquele do contexto longo envolvendo os personagens que abriga, mas o criado na cabeça dos que a acompanham.  

Se você chegou aqui, provavelmente deve ter sido fisgado pela bolha avassaladora da série. Talvez esteja buscando entender a repercussão causada por ela nas redes sociais ou está atrás de respostas no meio da jornada difusa apresentada nela, com reviravoltas confusas, mas com uma base sólida que, acredite, acaba por convergir em um final coeso. No entanto, vale lembrar das temporadas como os ciclos de tempo da série, ou seja, se completam e são necessárias em conjunto para entender o todo. É preciso saber em que ponto paramos. 

No fim da segunda temporada, vimos que não apenas a viagem no tempo faz parte da série, mas também o conceito de universos paralelos
Foto: Reprodução/Netflix

No último episódio visto, a pequena cidade de Winden estava prestes a passar pelo tão falado apocalipse. O momento em questão mostra Jonas Kahnwald (Louis Hofmann) ao lado de Martha (Lisa Vicari), assassinada poucos segundos antes por Adam (Dietrich Hollinderbäumer), uma versão maligna e mais velha do protagonista. Enquanto sofre, Jonas é salvo por outra Martha, vinda diretamente de um universo paralelo e, assim, o espectador é levado a uma expansão desse universo anterior: se antes o tempo era o senhor de tudo, agora o espaço também se torna o centro. A jornada de Jonas e Martha deve impedir dois desastres, proteger dois mundos que divergem e mantém um elo aparentemente inquebrável. 

"O que sabemos é uma gota, o que ignoramos é um oceano" - Isaac Newton

Entender

Acompanhar a última temporada de Dark é como sensação de encaixe, aquela na qual é quase possível ouvir o "clique" das peças se fundindo a cada novo episódio. Não por isso, eles, um total de oito, parecem ser mais simples. Quando a escolha mais óbvia poderia ser somente explicar como ocorrem as viagens no tempo e os efeitos dessa ação na vida dos personagens, o roteiro acrescenta novas fórmulas, mergulha ainda mais na teoria de um espelho de realidades, com o adicional de que essa ida e volta é feita incessamente por duas terras.

O conceito (se você ainda não assistiu a temporada, talvez seja melhor parar por aqui), ao utilizar esse novo mundo, vem para reforçar a ideia da força dos ciclos por si só, nos quais nem mesmo as pequenas mudanças de ações, no que seria a origem de tudo, são suficientes para resolver o emaranhado. Na nova terra, onde todos possuem um papel, menos Jonas, que sequer existe nesse contexto, os eventos se repetem "de novo e de novo", evidenciando uma causa ainda mais profunda para todos os acontecimentos impostos aos protagonistas, sobrepondo sempre os desejos íntimos de cada um deles (olha o conceito das vontades de cada ser sendo questionado, não é mesmo?).

Talvez a palavra de ordem do novo ano, exatamente por isso, seja a de ainda mais atenção. Com tantas personagens, pontas ainda soltas e teorias complexas a explicar, Dark utiliza dos recursos visuais e até mesmo da caracterização de cena para criar uma atmosfera a ser desvendada. No fim das contas, tudo ajuda a contar a história com maestria. Inclusive, é importante também destacar a qualidade técnica dos atores presentes, que encaram cada nova representação de maneira crível. 

Na segunda Terra, apresentada após a viagem de uma das realidades de Jonas, podemos ver a semelhança entre os dois mundos criados após a experiência de Tannhaus
Foto: Reprodução/Netflix

Tanto as novas como as já conhecidas peças desse jogo possuem papéis específicos no desenrolar dessa ligação entre os dois mundos. O ponto fraco talvez esteja no fato de explicar demais, em diálogos algumas vezes intermináveis e repetitivos, trocados especialmente para explicar a trama principal, e no constante "vai e vem" entre tempos e terras (algo necessário e justificável), o que pode cansar o espectador nessa busca por saber como realmente se encerra a história. No entanto, vale o esforço. 

“A diferença entre passado, presente e futuro é somente uma persistente ilusão.” - Friederich Nietzsche

Além dos ciclos

Nessa linha, as teorias da física ou as fundamentações vistas por meio dos atos dos envolvidos na narrativa ganham o ápice com a revelação do grande arco, não só da temporada, mas da série por inteiro. O símbolo da triquetra, por exemplo, responsável por identificar a 'Sic Mundus Creatus Est', sociedade na qual surgem os viajantes, também passa a representar tudo isso. Por meio da explicação da causa de tudo, é Claudia Tiedemann quem joga as cartas realmente necessárias para abandonar o loop infinito de sofrimento vivenciado por todos eles.

E assim vem o trunfo final da série: tanto o mundo de Martha como o de Jonas são o resultado de um experimento feito por Tannhaus, o relojoeiro, em 1986. Ao perder o filho e a neta em um acidente, ele se torna o responsável pela criação de dois mundos paralelos, conectados pela figura do Infinito, fruto gerado pela conexão entre os ditos protagonistas em uma das realidades apresentadas. Uma solução extremamente coerente, mas que causa confusão, certamente.

A saída de Martha e Jonas dos mundos sobrepostos que habitam em rumo ao mundo original evidencia finalmente uma escolha de ambos, ali na brecha encontrada no buraco de minhoca, uma renúncia ao que viveram por amor até então. Escolher não existir, não dar início à linhagem irreal que iniciariam, só poderia ser algo feito por eles próprios, em conjunto. Que beleza é poder ver isso em cena.

Legenda: No contexto final, Martha e Jonas são revelados como os responsáveis pela manutenção do nó e do ciclo infinito. Enquanto ele não cessa a busca por reviver a Martha de um dos mundos, ela busca manter a ordem para proteger o fruto da relação com Jonas
Foto: Reprodução/Netflix

E se o fim é mesmo o começo, Dark entrega em uma das cenas mais simples, ao mesmo tempo com uma autorreferência perfeita, o exemplo básico para nos mostrar o conceito das múltiplas realidades. Quando Jonas e Martha finalizam seus caminhos lado a lado, abrem a porta para que outros vivam e possam, assim, escolher o que será real a partir dali e por todos os outros tempos. E, afinal de contas, quem pode saber o que virá pela frente? É aí que está a graça de tudo.