Documentário sobre massacre de Realengo revisita tragédia no RJ sob nova ótica

Série documental, que contra sobre crime em 2011, foi lançada no streaming HBO Max no último domingo (9)

Várias produções documentais ganharam espaço nas plataformas de streaming nas últimas semanas. Esse é o caso de 'Massacre na Escola: A Tragédia das Meninas de Realengo', lançado pelo HBO Max no último domingo (9). Revisitando a barbárie ocorrida em 2011 na Escola Municipal Tasso de Silveira, em Realengo, no Rio de Janeiro, a produção, com quatro episódios, tem direção de Bianca Lenti e relata o ocorrido com a proposta de levantar a questão sobre o feminicídio no caso. 

Em meio aos casos de ataques em escolas brasileiras nos últimos meses, que reacenderam a preocupação sobre os problemas diários da educação brasileira, o documentário traz os efeitos dolorosos nas vidas de todas as vítimas, apontando como a tragédia de Realengo marcou a história no País, deixando dez meninas mortas e dois meninos. 

Em entrevista a esta coluna, Bianca Lenti revelou que o projeto de tratar do assunto em documentário surgiu em 2019 e acabou sendo aprovado em 2020. Na época, o interesse no assunto veio pela vontade de mostrar outra abordagem da feita pela mídia em 2011.

"Foi uma coincidência infeliz lançar agora, mas infelizmente também, vou ter que repetir, para a gente não foi uma surpresa porque durante as nossas entrevistas com os especialistas as pessoas que acompanham esse fenômeno de perto no Brasil e no exterior já foram muito claros: não era uma questão de se aconteceria novamente, mas de quando", pontuou a diretora em entrevista ao Diário do Nordeste

Nova perspectiva do crime

Segundo ela, a produção busca uma nova ótica, com os devidos cuidados diante da fragilidade do tema. "É importante essa produção porque ela não espetaculariza o crime. Ela não está aqui para tirar proveito dos traumas de sobrevivência das vítimas. Ao contrário, ela tem a missão de debater a sociedade para olhar os massacres em escolas como um fenômeno social sobre o qual todos nós precisamos nos responsabilizar", disse.

Nos primeiros dois episódios, disponibilizados a esta coluna antes da estreia no streaming, é possível perceber que a série documental trata, de início, de um resgate dos fatos, mostrando depoimentos de sobreviventes e familiares que se reconstruíram após o trauma. 

Enquanto isso, os demais se aprofundam no fenômeno dos 'incels' no Brasil, jovens conhecidos por se sentirem rejeitados por mulheres e direcionarem comportamentos violentos a elas. O assunto vem à tona, conforme o próprio documentário, já que a maioria das vítimas do massacre foram meninas, escolhidas como alvo pelo assassino. 

"A gente está nesse tema principalmente porque entendemos nos últimos anos a radicalização do discurso de ódio contra as mulheres, dos discursos de misoginia nesses fóruns ocultos da internet. Esses jovens, que por algum motivo que seja, por serem disfuncionais ou por dizerem que sofreram bullying, dizerem que foram rejeitados no passado enquanto estavam na escola, eles sempre se sentiram muito acolhidos nesses fóruns ocultos", explica a diretora sobre o estudo do tema.

Cuidados com as vítimas

Durante o processo de captação e análise, inclusive, a diretora explicou que tocar no assunto foi um processo doloroso tanto para quem reviveu trauma quanto para quem esteve em contato com cada um dos entrevistados.

Ainda assim, questionada sobre a maior dificuldade nesse caminho, Bianca Lenti não hesitou. "Foi justamente convencer essas pessoas de que a gente estaria fazendo um produto e entregaria um serviço de reflexão para a sociedade. De que não seria mais uma série ou iria se aproveitar da situação das vítimas dos sobreviventes para espetacularizar o sofrimento dos outros", reforçou ela.

Ao longo dos quatro episódios da série - dois ainda serão lançados -, que já é a segunda mais vista na HBO Max no Brasil, pessoas que nunca haviam falado à imprensa comentaram sobre o massacre. "Foi a parte mais complicada e mais demorada, dolorosa. Foram milhões de mensagens que a gente trocou, horas no telefone tentando fazer com que essas pessoas entendessem nosso real propósito, e elas entenderam no momento em que elas entraram no barco", finalizou.