No final da tarde, um amigo brasileiro, então recém-chegado a Portugal, foi pegar o filho no “infantário” — o jardim de infância, aqui em Portugal — e ouviu da professora a seguinte frase: “Hoje, tive que limpar o rabo do puto duas vezes”.
Meu amigo ficou escandalizado com o que julgou ser uma impressionante falta de modos. Ao chegar em casa, comentou que seria o caso de tirarem o menino daquela escola, urgente. Afinal, era inadmissível que uma educadora usasse tipo de linguajar tão chulo.
No dia seguinte, ao discutir o caso com alguns pais de coleguinhas do garoto, meu amigo ficou sabendo que, na verdade, a professora fora apenas solícita. Ficara preocupada com a possibilidade de o aluno poder estar sofrendo de alguma indisposição alimentar.
Pois “rabo”, aqui, é uma forma afável, equivalente ao nosso “bumbum”. E “puto” não é palavrão. É sinônimo de “menino”. A propósito: mulheres não usam calcinhas; mas “cuecas”. Ninguém veste camiseta; e sim “camisola”.
Bebês — aliás, “bebés”, com som aberto e acento agudo, como se diz e se escreve por cá — não têm chupeta ou mamadeira; mas “chucha” e “biberão”. Um sujeito bacana é um “porreiro”. O contrário disso seria alguém que “não vale nem um pentelho de saco de velho”.
Para além desse léxico que nos remete a sentidos dúbios e pode até nos fazer ruborizar, há centenas de outras palavras e expressões que temos de nos habituar a ouvir — e a articular, se quisermos ser bem entendidos. Geladeira, aqui, por exemplo, é “frigorífico”; celular é “telemóvel”; ônibus é “autocarro”; usuário é “utente”; açougue é “talho”, balas e bombons são “rebuçados”.
Se alguém lhe disser que “és bué fixe”, não se ofenda. Trata-se de um elogio. Significa que você é um cara legal, boa praça. Caso lhe chamem de “giro”, fique ainda mais feliz. Quer dizer que lhe acham lindo.
Quando telefonar a alguém, não se assuste quando ouvir, do outro lado da linha, a exclamação aparentemente óbvia: “Estou!”. É só a forma de os portugueses dizerem alô. Em visita a amigos lusitanos, em caso de necessidade, em vez de perguntar onde é o banheiro da casa, pergunte onde é a “casa de banho”.
Na farmácia, no lugar de band-aid, peça uma caixinha de “penso rápido”. E saiba que, após acordar, aqui não se toma o café da manhã; faz-se um “pequeno almoço”. No restaurante, em vez de um chope, peça um “fino” ou um “imperial”, a depender da cidade em que esteja, Porto ou Lisboa. Para espantar o calor, em vez de sorvete, tome um “gelado”.
A esta altura, portanto, talvez seja bom acrescentar que “tomar uma pica no rabo”, por cá, não é o que podemos vir a imaginar, maldosamente. “Pica”, em Portugal, é injeção.
* Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.