Repotencialização de parques eólicos – saída para mais energia

Cibele Gaspar, colaborado bissexta desta coluna adverte que as mais antigas usinas eólicas de geração de energia eólica em operação no Brasil precisam de ser renovadas,

O texto abaixo é de autoria de Cibele Gaspar, colaboradora bissexta desta coluna. Ela é mestra em Administração e Gestão Estratégica, especialista em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria, Financiamentos Internacionais e Parcerias Público Privadas. Foi Executiva do BNB, atuando na estruturação de operações de Project Finance nos segmentos de energia, saúde, mobilidade urbana, portos e saneamento. Hoje, é Diretora da Nexxi Assessoria Financeira.  

“O grupo de trabalho criado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), World Economic Forum e Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para identificar as oportunidades de aportes estratégicos em energia sustentável no Brasil gerou o documento intitulado  Mobilizing Investment for Clean Energy in Brazil Country Deep Dive , que apresenta três áreas prioritárias: financiamento para Geração Distribuída (GD), acesso à energia limpa pelos sistemas isolados e a modernização das UHEs, que segundo o BID requereria US$ 15 bilhões em investimentos nos próximos oito anos. Ao mesmo tempo, traria a redução de 57 milhões de toneladas de CO2, por conta do deslocamento de térmicas a gás natural.

“O documento é consistente e traz excelentes insights. Contudo, não faz menção às possibilidades de aumento da capacidade de geração de energia a partir da repotencialização ou retrofit dos parques eólicos mais antigos, instalados até 2010, o que já deveria estar sendo objeto de consideração, uma vez que quase 10% dos parques atuais estarão com vida útil superior a 20 anos em 2030 – ou seja, daqui a 7 anos, praticamente. 

“Já o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE), documento informativo voltado à toda a sociedade, bem como aos agentes e investidores, que indica as perspectivas de expansão futura do setor de energia sob a ótica governamental para o período de 2022 a 2031, trata apenas de retrofit de usinas térmicas 

“É uma ação fundamental para fazer a transição energética de tais empreendimentos para o uso de insumos verdes.  Não há, também, no documento que sinaliza o cenário estratégico em energia do país, uma única menção à repotencialização ou retrofit dos equipamentos eólicos que terão mais de 20 anos de vida útil em 2030.

“A esse cenário soma-se outro componente, pouco lembrado pelo mercado, mas que vem se tornando a cada ano de urgente revisão.

“O Brasil é o sexto maior gerador mundial de energia eólica e tem mais de 21 GW de potência instalada e em operação comercial dessa matriz renovável. O parque eólico mais antigo está em operação desde 1998 e, além deste, outros dois operam há mais de 20 anos, totalizando 17,5 MW. 

“Os primeiros parques eólicos montados na esteira do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfra) tiveram suas operações iniciadas em 2006. De 2011 para cá, iniciou-se a operação dos parques vencedores do Leilão de Reserva de 2009. Entre os anos de 2011 e 2020 foram instalados novos parques que acrescentaram mais de 14 GW de potência ao sistema elétrico brasileiro e com preço de contratação em média inferior a R$ 200/MWh.

“Desses, mais de 50 parques, compreendendo mais de 600 aerogeradores e 940 MW de potência, foram instalados até o fim de 2010. Estes parques ultrapassarão os 20 anos de operação até 2030 e enfrentarão questões relativas à repotenciação e retrofit, alinhados à tendência mundial , exigindo investimentos para troca e retrofit de aerogeradores , iniciativa mais do que recomendável, pois são estruturas que podem estender sua vida útil, gerando a energia de que tanto o Brasil precisa.

“Cabe-nos fazer justiça à EPE, que  abordou o assunto,  em nota técnica publicada em fevereiro de 2021, falando da importância de se iniciar o planejamento dessas questões o quanto antes, inclusive bebendo das experiências de países como Espanha, Dinamarca e Reino Unido , que já passaram por situação semelhante. 

“Eventual decisão pela modernização ou descomissionamento desses parques até 2030, com potência instalada que ultrapassam hoje os 900 MW, seguramente afetará o planejamento energético.  São questões referentes ao fim da vida útil operacional de parques eólicos relevantes para o Brasil e que requerem dos agentes avaliações econômicas diante das oportunidades regulatórias e tecnológicas possíveis para decisão, seja pela repotencializaçao, retrofit ou descomissionamento. 

“As ações de repotencialização ou de extensão de vida útil permitem o aproveitamento da infraestrutura e do uso de um local cujo comportamento do vento já é bem conhecido. A troca de equipamentos por outros mais modernos permite otimizar o uso do recurso eólico e a redução dos custos de manutenção. 

“A desativação costuma é a opção adotada apenas quando a extensão da vida útil ou repotenciação não se mostram viáveis. A escolha da ação mais apropriada para cada empreendimento, por parte do empreendedor, passa por avaliações técnicas, econômicas e regulatórias. 

“Importante atenção deve ser dada à destinação ambientalmente adequada dos resíduos, que ocorre não apenas na desativação, mas também na repotenciação ou, mesmo, nas etapas de manutenção, de forma a ser mantido o caráter sustentável da fonte eólica de geração.

“A tecnologia de geração de energia pelo vento progrediu muito nos últimos anos e, na minha opinião, seria impensável não se modernizar tais estruturas. Pela mesma razão, nem pensar em descomissionamento. O País precisa de energia. 

“Indo um pouco além, essa repotencialização ou retrofit já deveria ser um ponto de planejamento na origem de qualquer novo investimento em geração de energia. Não faz sentido investimentos desse porte ainda não terem uma política ou ações planejadas definidas para retomar novos ciclos de produção.

“Até porque garantir a melhoria da produção, principalmente nos parques que possuem contratos Proinfra, garantirá maior geração de energia em um momento em que esses contratos, com preços bem maiores do que os do mercado atual, irão vencer. Esses parques terão de comercializar energia mais barata. Para manter no mínimo a mesma receita, a conta é simples - tem que gerar mais energia. E isso não se faz com maquinário com 20 anos de vida útil.

“É uma boa discussão. E já está passando da hora de iniciá-la.”