A carta na palma da mão surge atrás da orelha da criança. Um objeto antes estático agora parece flutuar. Entre um truque e outro, Lucas mantém a concentração para que a coisa saia nos conformes. É preciso impressionar a plateia, oferecer surpresa e diversão. E ela reage, calorosa, a cada um desses números. Aplaude, grita, se emociona. O mágico, porém, não escuta. Sorri feliz, mas não ouve. É tudo um grande silêncio.
Lucas é surdo. Nasceu assim. A mãe, ouvinte, teve rubéola na gravidez e descobriu a condição do filho aos nove meses de idade dele. Foi um baque, o diagnóstico: surdez profunda severa. “Ele não escuta mesmo nada”, garante. Então anda sempre ao lado, a guiar e traduzir o dizer singular do rebento. Projeta caminhos, assegura o cumprimento de todos os direitos. Fez com que estudasse e aprendesse. Tem tempo, ela também testemunha o encanto.
Do bebê que não reagia quando chamavam o nome ao encantador de plateias, houve dedicação e paciência. Lucas despertou para a área da magia aos 12 anos. Pequeno, ficava inebriado quando, pelas cores da grande TV na sala, via um mágico mascarado fazer todo e qualquer tipo de peripécia: desaparecia com pessoas, transformava coisas e, principalmente, deixava todo mundo espantado. “Mas como é que ele faz isso?”, martelava na mente.
Resolveu se aprofundar no ofício. Como brincadeira, em 2008 começou a mostrar para os colegas na escola movimentos muito certeiros. Desafiava a lógica, dava um olé. A turma se animava, espalhava o nome do Lucas. Ele não sabia dos comentários – aquilo que, à boca miúda, os amigos falavam entre si. Mas sentia nos olhos deles, no esgarçar da boca e no reboliço das mãos, o quanto estavam admirados com tamanho dom.
Talento que virou profissão três anos depois, não sem antes muita prática. O jovem ilusionista errava uma, errava duas, errava três vezes. Na quarta, se acertasse, já aprendia o método. Passou a arriscar. Fora das paredes do lar, iniciou apresentações em shows privados de mágica – primeiro para aqueles primeiros integrantes de uma plateia ainda novata, depois para mais gente. Fazendo e evoluindo, tijolo sobre tijolo.
Hoje já ultrapassou a primeira década de carreira. E recorda, com afeição, o kit de mágica dado pela mãe, ainda nos primeiros anos. Ela não sabia no que ia dar aquilo, muito menos ele. Mas foi bom perceber que havia alguém estimulando o querer. Talvez o que a gente precise na vida seja exatamente isso: a certeza de uma parceria, ombro atento e disponível, para que a vida se torne mais vida.
Os desafios, ele sabe, estão longe de ir embora. Ser surdo no Brasil ainda é realidade cruel. Faltam muitas políticas públicas de inclusão, e quem resiste conhece os numerosos ônus. Por outro lado, ter a convicção de que a comunicação humana supera qualquer barreira injeta em Lucas estado de ânimo contínuo. Ele não quer parar. Tanto é que, após o conhecimento em mágica, resolveu ir mais longe: é também mentalista e fotógrafo.
Com a câmera, registra as cores do mundo e transforma em imagem, amplia o foco para enxergar melhor a rotina. Um modo de escuta. O artista gosta de saber que tudo o que faz serve como inspiração para muitos que, feito ele, resguardam tesouros. Foi outra labuta conquistar espaço nessa área: cursos em Fotojornalismo, Fotografia de Moda, aperfeiçoamentos e práticas. Agora é procurado, contratado e vai adiante.
No posto de mentalista, confunde ao mesmo tempo que seduz. Parece aquele mágico mascarado que via na TV, porém com rosto limpo, sem esconderijo, pronto para espalhar enigmas. Tudo serve: baralho, hipnose, lógica, sugestão. Técnicas apuradas para um cérebro inquieto. É do expediente do cearense embaralhar o pensamento para depois ordenar com precisão. Novamente todo mundo aplaude, grita, se emociona. O silêncio permanece.
E, de silêncio em silêncio, Lucas vai visualizando sonhos. Quer receber o título de primeiro mágico surdo do mundo. Pesquisou: no Brasil, já é pioneiro. O próximo passo é ir mais a fundo, quem sabe percorrer estradas além-país. Ele não se basta. Quer voar. E se vê-lo em alguma apresentação, queira voar junto: demonstre com as mãos, as sobrancelhas, a batida dos pés. Faça-o ouvir o amor. Ele escutará e retribuirá o gesto.
E, então, não será mágica nem ilusão. Quem sabe, fotografia. A mais bonita delas.
Esta é a história de amor de Lucas Dias por si mesmo, pela magia e a fotografia. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor
Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor