Um dia talvez escrevam um livro intitulado “O calvário de ir ao dentista”. Não será desafio. As seringas, o ruído da broca, o maldito sugador. Aqueles olhos espremidos por máscara, consertando a estranha geografia dos dentes. Estará tudo lá. É o tipo de publicação para a qual não falta matéria-prima do inferno. Isto é, caso o autor ou autora não visite o consultório de Maurício Castelo Branco. Então o título mudará: “As delícias do tratamento odontológico”.
Tem 19 anos a visão dele humana e diferenciada sobre um trabalho tido como inimigo do bem-estar. O amor pela Odontologia nasceu por influência da mãe, também dentista. Maurício recorda de, bem pequeno, acompanhar o trabalho dela e se surpreender com o fato de, mesmo naquela atmosfera fria e controlada, ser possível brotar o amor. “Senti que aquela também poderia ser a minha missão, pois todos ficavam felizes ao estar ali”.
Dito e feito. Décadas depois, seria ele o responsável por arrancar sorrisos – não literalmente, claro – nos consultórios geralmente dominados pela apreensão. Passou a tocar violino durante os atendimentos, sinal de boas-vindas para os pacientes. Uma canção do Roberto, “Como é grande o meu amor por você”. Uma melodia de quem quer que seja. Sendo música, o universo já se estica, e o que era dor vira alento. Até que não é ruim ir ao dentista.
Nessa história, tudo começou bem cedo quando, já na faculdade, Maurício ingressou em projetos de extensão capazes de lhe apresentar uma Odontologia mais social. Nela, além de orientações técnicas sobre saúde bucal, o foco sempre recaiu no tempo de qualidade com o paciente. Como fazê-lo se sentir bem? De que forma atraí-lo para mais perto no tratamento? Quais ferramentas são capazes de dissipar um possível medo?
Questões levadas a sério e que perpassaram toda a trajetória do profissional – dos trabalhos no interior do Ceará, há tempos atrás, à atuação em Fortaleza nas redes pública e privada. Maurício atende em um posto de saúde da Regional I; de forma particular, em um consultório próprio; e participa de vários projetos cujo centro são as pessoas, o caminhar delas até a famosa cadeira de dentista. “Graças a Deus, elas gostam, se sentem ouvidas, acolhidas”.
Explorar a faceta musical nesses espaços foi resultado de olhar interno. Sempre movido pelo som, o cearense enxergou, na arte, uma forma de dar vazão aos apelos íntimos e chamar mais gente para a escuta. Começou pelo violão; na sequência, para homenagear a filha no primeiro ano de idade dela, tratou de passear pelo violino. A canção foi “O Caderno”, de Toquinho. Aquela que diz: “Sou eu que vou ser seu amigo/ Vou lhe dar abrigo, se você quiser”.
“Depois do aniversário, passei a gostar ainda mais de estudar violino. Resolvi, então, fazer um ano de conservatório de música, e comecei a desenvolver habilidades, colocando à prova para outras pessoas. Foi na época em que me cadastrei na Associação Peter Pan como voluntário, para tocar violino nas enfermarias. A partir daí, foi um mundo de oportunidades”. Ações no Natal e em outras datas especiais chegaram a crianças, jovens, adultos e idosos.
Tudo muito aceso. De um ano e meio para cá, mais aceso ainda: Maurício passou a levar o violino para o consultório privado. Tem recebido elogios, agradecimentos. Não é um jeito profissional de tocar, ele ressalta. Mas tem um poder enorme de sensibilização, escuta e carinho. Chama-se OCA: Odontologia com Amor. Nunca esquece da emoção quando, em um 25 de dezembro, tocou na UTI do Hospital das Clínicas e uma paciente, sedada, levantou a mão em sinal de pura vida.
“Naquele momento foi chocante porque era Deus falando comigo, dizendo que eu estava na missão correta. Fiquei feliz e, por isso, peço muito a Ele pra não desistir. Sempre alimentar essa sementinha, essa distribuição gratuita de amor”. Na arte e no trabalho dentário propriamente dito, por sinal. Maurício presta serviço técnico em praticamente todas as áreas da Odontologia – da cirurgia à prótese dentária, passando pela endodontia, o conhecido canal.
Conquista clientes feito dona Maria Dulce Sombra. Hoje com 89 anos, desde os 70 conta com Maurício no acompanhamento bucal. Foi a paciente número 1 dele. Privilégio de ambos: ela aprecia o jeito disponível, alegre e entregue do amigo; ele gosta de saber que, independentemente do tempo, ela estará próximo, acompanhando cada passo desse dentista que é mais que dentista: é gente e amor da cabeça aos pés, dos incisivos aos molares.
“O bem é importante. De qualquer modo, ele é importante. Na minha primeira reunião de capacitação de voluntários, a presidente da Associação Peter Pan, Olga Freire, sempre falou que o bem precisa ser divulgado. Afinal, uma sementinha dele tem poder infinitamente maior do que o mal. É isso que eu faço”.
Esta é a história de amor de Maurício Castelo Branco pela Odontologia, pela música e pela vida. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor