A urbanização, a aceleração e a vida mental nos dias de hoje

Estamos “aceleradamente” nos desprovendo do dom da paciência e da tolerância

No começo do século XX, Georg Simmel, sociólogo alemão, escreveu um célebre ensaio com o título “The metropolis and Mental Life”; em português: A metrópole e a vida mental. Naquela época, e baseado em um conjunto de ideias sociobiológicas e deterministas, Simmel via na vida nas metrópoles, diferente do meio rural ou das pequenas cidades, um conjunto de estímulos psíquicos e comportamentais que tende a prosperar nos homens a tendência à racionalidade e ao individualismo frente “a multiplicidade e a concentração da troca econômica”.

Longe de ter uma resposta definitiva aos apontamentos de Simmel, pensamos que há um leque maior de variáveis a influenciar nossos comportamentos e a maneira como nos inserimos no mundo, como agimos e os condicionantes que nos levam a tomar decisões cotidianamente. No entanto, concordamos com o pensador alemão quando indica certas características da vida contemporânea, sintetizada nos espaços urbanos, capazes de explicar dadas atitudes sociais corriqueiras, boas ou não tanto.

A vida urbana no presente é cada vez mais regidas pela noção de velocidade. Essa condicionante ganha importância tal que “naturalmente” não nos contentamos apenas com a andar rápido, queremos acelerar mais e mais, até o ponto de encontrarmos a impossível capacidade de estar em todos os lugares ao mesmo tempo, chegando enfim ao superpoder da simultaneidade. Não é isso que as redes sociais, o metaverso e cyberespaço nos prometem?

Na última semana, depois de uma banal discussão no trânsito de nossa cidade, um motorista de automóvel perseguiu e atropelou propositalmente duas pessoas sobre uma motocicleta. Como resultado, uma jovem perdeu a vida brutalmente e um rapaz está hospitalizado. Como explicar fatos como esse? Seria uma exceção ou prova cabal da incapacidade de conviver em espaço onde a concentração de conflitos nos exige maior autocontrole e paciência?

Não tenho dúvida de que estamos muito condicionados a acelerar. Tudo aquilo que barra nosso ímpeto nos incomoda, e nos aborrece – com facilidade – qualquer medida a nos conduzir a pisar no freio, não no acelerador. 

A Prefeitura de Fortaleza, acertadamente, tem limitado a velocidade para os veículos em ruas e avenidas. Nas principais vias, o limite foi reduzido a 50 km/h. Os especialistas em trânsito e na prevenção de acidentes são categóricos ao dizer o quão providencial é a diminuição da velocidade, haja vista a menor probabilidade de gerar acidentes graves e fatais a envolver outros veículos, e principalmente, pedestres. 

Incrível, por outro lado, é saber que – mesmo diante das explicações técnicas – muitos entre nós ficam profundamente incomodados e têm frontal antipatia às limitações no trânsito. Nessa situação, novamente, salta aos olhos toda a dificuldade em lidar com a impossibilidade de acelerar. O individualismo cego e majoritário, muito comum nas metrópoles, é forte barreira à necessidade de pensar nos objetivos da coletividade. 

Até que ponto a aceleração e a simultaneidade, associadas às demandas econômicas e culturais, nos empurram em direção às atitudes bárbaras, tensas e criminosas?

Não exatamente o espaço urbano pelo espaço urbano, mas as diversas tendências de um modo de vida ocidentalizado, concentrado nas metrópoles (sem dúvida!), têm nos retirado a capacidade de dominar nossas raivas e alcançar maior domínio de nossas irracionalidades. Em outras palavras, estamos “aceleradamente” nos desprovendo do dom da paciência e da tolerância.

Para encerrar, volto parcialmente a hipótese de Simmel, na qual o ambiente das metrópoles tem um quê de influência na vida mental dos seus habitantes. Se algo há de verdade nessa afirmação, é imperativo sacarmos da cartola um plano de metrópole menos acelerada, mas aberta a sociabilidades e repleta de empatia. Certamente, isso constitui uma utopia instigante para as próximas gerações.