Tênis virtual da Gucci e roupa digital: moda se movimenta em tempos de vida mediada por telas

Parece coisa de série de ficção, mas roupas e acessórios lançados só para serem usados em redes sociais fazem parte do movimento da moda

Existe um ponto que é próprio da moda que é a necessidade da novidade. E quando aponto como necessária, é porque a moda só é moda por conta do novo. Pera, está confuso? Vamos lá! 

Quando a gente compreende que a moda é mais que roupa, e observa que ela é um recorte da história das sociedades,  uma forma de expressão e, portanto, um fenômeno. A moda, então, só passa a existir a partir da possibilidade de renovação daquelas peças que, antes, só serviam como indumentária.

Sendo assim, roupa deixa de ser só um elemento para cobrir-se e passa a ser encarada como expressão a partir do momento em que ela diferencia classes sociais com o nascimento da burguesia. Em poucas e resumidas linhas, assim nasce a moda

A história é longa, mas ajuda a compreender alguns movimentos que a moda faz a cada geração. A nova discussão agora gira em torno das roupas e acessórios virtuais, compradas para serem usadas em fotos para redes sociais. A Gucci, por exemplo, lançou um tênis para ser "vestido" apenas virtualmente, no qual você troca como se fosse um filtro de Instagram. Parece absurdo, coisa de série de ficção científica e absoluta futilidade. Mas dá para observar por outro olhar. 

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Quem é da minha geração (30 e muitos), provavelmente brincou com as bonecas de papel com a qual trocávamos a roupinha. Comprávamos cartelas e mais cartelas das roupas que iriam vestir a nossa amada bonequinha de papel. Era uma brincadeira do imaginário. E o que são as nossas fotos nas redes sociais, aquilo que escolhemos compartilhar com tantas pessoas que não conhecemos nem convivemos, se não também uma brincadeira do imaginário que desejamos expor? 

A moda, como um fenômeno alimentado pelo novo, já desenvolveu diversos movimentos. Dos mais recentes, podemos lembrar do fast-fashion e suas coleções produzidas a jato, ou o street wear inspirando coleções da alta costura e, agora, as roupas virtuais. Ainda que pareça uma grande novidade, as 'skins' usadas pelos gamers já são uma febre há bastante tempo. Economizar dinheiro para 'emperequetar' o seu personagem em jogo e ter skins a preço de ouro faz parte da experiência em ser gamer. E, como costuma ser, essa experiência agora invade outros espaços e plataformas. 

Outro ponto toca na sustentabilidade. A velocidade de produção de novidades aceleradas pelo fast fashion junto com as redes sociais, nas quais as pessoas não queriam ser fotografadas com roupas repetidas, há tempos se mostra insustentável. São toneladas de tecidos, processos de lavagens e outros modos de produção de roupas que poluem e impactam o meio ambiente. Então, como saciar esse desejo sem destruir o meio? 

Não podemos esquecer a realidade a qual estamos imersos hoje. Há mais de um ano isolados, com pouca ou nenhuma possibilidade de sair, muito menos viajar, tendo nossos encontros mediados em sua imensa maioria por telas. As compras feitas pelo celular, mesmo aquelas que considerávamos cotidianas como supermercado e farmácia; as festas que se tornaram lives; as reuniões que viraram 'calls'; o trabalho que se transformou em home office. Os desfiles viraram fashion films.

Nossa vivência, em pouco tempo, passou a se encontrar pela virtualidade de forma impositiva. E assim será, também, a nossa forma de vestir. 

Se já não serei vista fora de telas e as roupas mofam dentro do closet, um tênis grifado e um look absurdo (com o qual, provavelmente, nem teria coragem de sair de casa se ele fosse de tecido) em que eu me sinto incrível em uma foto, hoje vale dinheiro. E é parte do movimento da moda. Se não há novidade atrativa no mundo lá fora e se nem acesso a ele eu tenho, então a experiência do vestir e se mostrar ganha ares virtuais e assim será consumido pelo mercado. 

Quando a gente lembra que moda é mais do que roupa, é que ela pode ser, inclusive, apenas pixels. E ainda assim ser fascinante.