Por que Anitta pode e deve falar de política?

Depois de live dedicada a discutir política com Gabriela Prioli, a cantora foi criticada por seu desconhecimento do tema. Em questão, a velha polêmica sobre quem está autorizado a tratar deste ou daquele assunto

Acostumada a atrair para si as atenções, Anitta transformou sua indecisão em produzir uma live durante a pandemia num dilema existencial: fazer ou não fazer? Eis a questão. A cantora ia ter trabalho pra inovar no formato, depois que meio mundo esbanjou em superproduções, cheias de luxo riqueza, e Ivete zerou a brincadeira quando se apresentou num formato caseiro e despojado (uma sátira da pavonice de seus colegas). 

Anitta conseguiu fazendo justamente o que ninguém esperava dela. Fez uma live “cabeça”, ao lado de sua amiga, a advogada e comentarista política Gabriela Prioli, estrela da CNN Brasil. A cantora expôs dúvidas que a amiga respondeu, de forma didática.  

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O desconhecimento de Anitta foi o mote para ataques nas redes sociais. As razões, claro, vão além do mote, incluindo elitismo e machismo. O Brasil, com teu talento para Mar Vermelho, foi partido ao meio em mais uma polêmica. 

O caso Anitta/Prioli lembra o embate entre os comentaristas esportivos e ex-jogadores Carlos Casagrande e Caio Ribeiro. O motivo do desentendimento foi a repreensão de Caio a outro outro ídolo sãopaulino. Dirigente do SPFC, Raí criticou a atuação de Jair Bolsonaro na crise da Covid-19, chegando a sugerir a renúncia do presidente. No programa “Redação Sportv” Caio disse não ter gostado do discurso de Raí. “Eu acho que ele tem que falar de esporte”. 

“Numa democracia, todas as pessoas podem e devem expressar suas opiniões sobre qualquer assunto, independentemente da sua profissão”, disparou Casagrande, cinco dias depois, quando se viu lado a lado com Caio na TV. “Ninguém pode querer censurar a fala do outro e determinar qual o assunto que se pode falar. Isso, no meu entender, é antidemocrático”, reforçou. 

A defesa de Raí por Casagrande poderia servir à live de Anitta e Priolli. Os defensores das duas destacaram o quão positivo era ter uma artista tão popular falando de temas sérios, de forma simples e acessível para um público imenso. Anitta tem 46,8 milhões de seguidores no Instagram, a plataforma por onde transmitiu a live. 

Se o escapismo é o crime imperdoável da cultura pop, é razoável condenar uma popstar que se vale de seu espaço para promover conteúdo formativo, favorável ao pensamento crítico?  

Dois tipos de pessoas seriam pela condenação ao “pecado” de Anitta. O primeiro é o dos intelectuais (ou “intelectuais”) elitistas. No fundo, defendem seus próprios interesses: querem que o conhecimento e a consciência política sejam uma festa privê, com vista privilegiada para o fim do mundo.  

E há os Caios da vida, que querem regrar quem pode e quem não pode falar algo, apenas para se colocarem entre aqueles que ficam quietos. Esses patrocinam um silêncio que também é político. Não se enganem: calar é tomar uma posição. A omissão não dispensa ninguém de suas responsabilidades.  

Se há algo de problemático nas celebridades entrando no debate público, crítico e político, trata-se do fato destas monopolizarem as atenções e ofuscarem pensamentos mais embasados e complexos. É oportuno que Raí, Anitta e gente como Felipe Neto amplifiquem, de forma simples, os temas importantes para a sociedade. Como passar deles às vozes mais encorpadas, especialistas que vão mais fundo nas questões, é que é o real desafio.  



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