Não esqueça a minha Caloi? É, parece que a velha publicidade para crianças está de volta

O Ministério da Justiça lançou consulta pública para ouvir a sociedade sobre a liberação de publicidade infantil. Mas Sérgio Moro tem tese própria: de que o melhor é tê-la de volta

Não faz muito tempo que a publicidade era um território selvagem. O caubói da Marlboro cavalgava com feições saudáveis, maquiando com virilidade hollywoodiana um troço que causa câncer, enfisema pulmonar e toda sorte de mazelas gangrenosas que se vê, hoje, no verso de um maço de cigarros. 

Nessa época, as crianças eram público alvo de comerciais que mais pareciam tentativas de hipnotizá-las, convertendo-as em zumbis consumistas.  

Há algo mais sincero quanto à sua real intenção do que o mantra “compre Batom, compre Batom, seu filho merece Batom”? Para a câmera, um menino balançava o hipnótico chocolate. 

Em outro “clássico” oitentista, as crianças surgiam dos cantos mais inusitados para repetir e repetir: “não se esqueça da minha Caloi”. “Pra você ganhar uma Caloi de Natal, escreva uma porção de bilhetinhos assim”, ensinava o pequeno garoto propaganda. E – com a licença da primeira pessoa – a estratégia pegava. 

Não se surpreenda se ataques hipnóticos do gênero voltarem a dar às caras, no Brasil saudoso dos tempos desproblematizados. 

O Ministério da Justiça tem um projeto simpático à publicidade voltada a crianças e adolescentes, e a inspiração vem mesmo de tempos passados. 

 “Atualmente, quase não existem mais programas infantis nas TVs abertas, salvo honrosas exceções. Um exemplo de que o excesso de regulação pode inviabilizar a atividade”, tuitou o ministro Sérgio Moro, seguindo o biografismo, típico dos influencers do primeiro escalão do Governo Federal.

Como fica claro nas palavras do ministro, a consulta pública tem um lado. No site do Ministério da Justiça, não há exatamente uma indagação, mas uma proposta. 

Mas há problemas no texto.  

À época do Pacote Anticrime, a equipe de Sergio Moro cunhou uma pérola de imprecisão - o meme “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. 

Agora, segue caminho semelhante: ao permitir o anúncio desde que ele preserve “o direito ao desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social da criança, em condições de liberdade e de dignidade”; e determinar que os comerciais devem “abster-se de estimular comportamentos incompatíveis com a convivência civilizada em sociedade” (em tempos de ideologia que não ousa dizer seu nome, é um potencial risco à diferença). 

Há, claro, promessas de sobriedade:

  • vedar a publicidade indireta (os anúncios disfarçados no meio da programação televisiva); 
  • “(não)provocar situações de constrangimento aos pais ou responsáveis, ou molestar terceiros, com o propósito de impingir o consumo”.

Em outros, a boa intenção esbarra no paradoxo da realidade. Ao dizer que não deve se “impor a noção de que o consumo do produto proporcione superioridade ou, na sua falta, a inferioridade”, o Ministério parece ignorar a própria lógica do consumo. 

As benesses da sugestão ministerial, não se pode perder de vista, são concessões para se conseguir voltar a um estado que deveria estar superado.

Qualquer pai sabe bem que não se precisa mais de qualquer incentivo de consumo para as crianças, pois o bombardeio indireto de que são alvo é suficientemente grande e eficiente.