Os orixás de Djanira

A pintura é imensa, bela, em cores alegres, limpa e de formas harmoniosas. São três orixás femininas: em vermelho, Iansã, a guerreira dos relâmpagos e das ventanias, que oferece otimismo e grandes paixões; de amarelo, Oxum, minha mãe, entidade das águas doces, cheia de doçura, representa a beleza, a fartura, a maternidade; e em azul, Nanã, a mais antiga das deusas do candomblé, ela é a sabedoria. Três mães. Três mulheres protetoras. São, no sincretismo, representações de santa Bárbara, Nossa Senhora Aparecida e sant'Ana. Ao lado, duas mães de santo reverenciam suas entidades amadas. Djanira pintou esse painel nos anos 1960.

O candomblé, religião de raízes africanas, é seguido por poucos, mas arraigado em nossa história. Era a religião dos escravos. Foi o consolo para muita dor e martírio. Em meio à tristeza era festa, alegria, ritmos, histórias mitológicas. Profundamente católica, na velhice Djanira chegou a ser carmelita descalça, com o nome de Teresa do Amor Divino. Era devota de santa Teresa d'Ávila. Pintava santos e anjos vestidos de ouro e luar, poetou Odylo. Seu primeiro quadro, ainda adolescente, foi uma imagem do Calvário. Ao pintar orixás do candomblé, Djanira pintou também a beleza do respeito pelas religiões.

Uma de suas obras está no Vaticano. Outra, no Palácio dos Bandeirantes. As três orixás compuseram durante décadas o Salão dos Espelhos do Palácio do Planalto, encantando diplomatas, ministros, presidentes, dragões, reis e rainhas que as contemplavam; desde dezembro passado a pintura foi retirada. Puseram, no lugar, uma réplica de Pescadores.

"A luta contra a miséria, dever moral de todos os seres humanos, liberta-nos das condições materiais e mais facilmente nos leva à eternidade", disse Djanira, com sua alma boa e pura. Ela foi lavradora na roça, depois costureira, e dona de pequena pensão. Tudo o que pintou é carregado de bons eflúvios, enlevo, amor. Ela pintou sua alma boa e também uma visão humana, dando lugar na arte a quem não o tinha: plantadores de bananeiras, indígenas, mineiros de carvão, operários, trabalhadores das casas de farinha, artistas de circo, tocadores de pífano... Coisas mais lindas são suas pinturas de festas do Divino, um de seus temas favoritos ao lado de santos e anjos.

Não pintou apenas o sagrado da igreja. Pintou o Brasil. "Essa pintora, Djanira, sabe todos os mistérios do Brasil, todos os sonhos de seu povo. Djanira traz o Brasil em suas mãos, sua ciência é a do povo, seu saber é esse do coração aberto à paisagem, à cor, ao perfume, às alegrias, dores e esperanças dos brasileiros. Sendo um dos grandes pintores de nossa terra, ela é mais que isso, é a própria terra, o chão onde crescem as plantações, o terreiro da macumba, as máquinas de fiação, o homem resistindo à miséria. Cada uma de suas telas é um pouco do Brasil", escreveu Jorge Amado num catálogo de exposição de sua amiga querida. Quando ia à Bahia, Djanira se hospedava na casa de Jorge e Zélia Gattai. A retirada de sua pintura do Palácio do Planalto, assim como foi a das imagens sacras do Alvorada, é um gesto de violência e agressão contra a liberdade religiosa, contra um patrimônio brasileiro, e contra a arte de nosso País.