Hoje tem espetáculo? Tem sim, senhor

Depois de meses fechado, o Cirque Amar volta a receber o público no picadeiro. Enquanto isso, o Festival Internacional de Circo do Ceará prepara programação que deve ter início em novembro

Legenda: De família circense, Celso Alberto Stevanovich, o Palhaço Moroco, nunca havia passado tanto tempo longe dos palcos
Foto: Gustavo Simão

Entre uma locação e outra, em pauta, passei, há algumas semanas, em frente à estrutura de um circo. De tão lindo e reluzente que estava o cenário, cheguei a me questionar, por alguns segundos, se aquela atividade já estaria em funcionamento. Tudo parecia tão pronto para receber o respeitável público que logo vislumbrei uma fila de crianças e adultos esperando para entrar na grande tenda. A fila, que não se formou naquele dia e que há tanto não é feita, volta a existir hoje. Após uma longa pausa, o picadeiro está montado para receber novamente os espectadores de Fortaleza, logo ali na Avenida Washington Soares, número 1000.

Entre os muitos corações ansiosos por esse momento, está o de Celso Alberto Stevanovich, ou palhaço Moroco, como também é conhecido. Assim como todos os artistas da classe que estavam em atuação, o membro da trupe itinerante do Cirque Amar viu sua rotina completamente transformada pela necessidade de isolamento social. “Foi muito difícil. (Durante os dias em que o circo esteve fechado) a pior hora era entre sete e oito da noite, porque, antes, era a hora em que as luzes começavam a ligar, tinha cheirinho de pipoca, movimentação do público”, ilustra. “Não sentir isso, no dia a dia, doía muito, chegava a ser desesperador”.

Este é um trapezista
Legenda: Durante o período de pandemia, o Cirque Amar chegou a se apresentar no modelo drive-in, para um público que pôde assistir às atrações de longe
Foto: Gustavo Simão

O palhaço, que faz parte da família circense Stevanovich (já compõe a quinta geração de artistas de circo de sua árvore genealógica), começou a dar os primeiros passos no mundo da arte de fazer rir aos 4 anos de idade. De lá pra cá, não sabia o que era passar um período tão grande longe do contato com o público. “Nunca fiquei tanto tempo sem trabalhar. O máximo de tempo era duas semanas, no deslocamento de uma cidade para a outra. Foi um momento de muita tristeza, não pensamos que ia durar tanto. Na minha cabeça, ia demorar um mês, no máximo”.

Com um tempo de restrições rígidas bem maior que o esperado, veio a dificuldade material de um setor que sobrevive de bilheteria. Emocionado, Stevanovich conta que nos momentos mais difíceis, ele e outros trabalhadores da cultura circense puderam contar com a solidariedade dos fortalezenses, por meio de doações e campanhas. “Teve a história de uma criança que viu, com o pai, uma faixa do circo falando ‘precisamos trabalhar’. A criança se comoveu, o pai também. Eles acabaram fazendo uma arrecadação de vários alimentos e o circo retribuiu isso com ingressos para quando voltasse. Foi muito bonito”, conta, salientando que a pandemia foi momento de perceber o quanto o circo é amado.  

Esta é uma foto de um palhaço se preparando para entrar em cena
Legenda: No detalhe, outro Celso Alberto Stevanovich, este pai do intérprete do palhaço Moroco, se prepara para entrar em cena numa das poucas apresentações feitas pelo Cirque Amar durante a pandemia. O artista dá vida ao palhaço Matraca
Foto: Gustavo Simão

Em meio à saudade do espetáculo e à necessidade de adaptação, o artista, que se reveza entre temporadas no Brasil e na França, levou o palhaço Moroco para o mundo das lives, no show virtual promovido pelo Cirque Amar. “Fizemos duas lives, o que deu uma renovada de energia. A gente não tinha dimensão do quanto precisava do trabalho. Era tão cotidiano, tão normal no dia a dia que a gente não percebia o quanto sente falta disso”, conta. “Na transmissão, trabalhamos só para uma câmera e, ao mesmo tempo, para 100 mil pessoas. É diferente, ainda mais pra mim que sou palhaço e preciso da interação com o público”.

A espera e o anseio por essa conexão, insubstituível, que a presença física traz têm imperado nos momentos anteriores ao retorno. “Parece que é minha estreia de trabalhar. Tá todo mundo ansioso, querendo rever as pessoas, sentir a energia do público. Estamos na correria de limpeza, de arrumação, de deixar tudo no lugar e também de apresentar coisas novas, trazer um novo grande espetáculo. Não vemos a hora de voltar ao normal”.

Renovando a tradição

Mesmo sem que se saiba ao certo quando e se esse dito “normal” voltará, na semana passada, a 7ª edição do Festival Internacional de Circo do Ceará foi anunciada para 2020. A organização do evento cultural comunicou que, neste ano, a programação acontecerá de forma híbrida, com uma parte online e outra presencial. O cronograma de atividades, que inclui de apresentações a percursos formativos, só será divulgado em outubro e programação ocorrerá a partir de novembro. A ideia é que, na primeira quinzena do mês, aconteçam as ações digitais e, posteriormente, existam as ações presenciais, feitas em lugares abertos.

Este é um artista de circo
Legenda: O Festival Internacional de Circo do Ceará percorrerá seis cidades cearenses em 2020. Reginho (foto), de Fortaleza, irá se apresentar com o espetáculo "Malabares sobre monociclo"
Foto: Marina Cavalcante

O festival passará por cinco outras localidades, além da capital: Paracuru, São Gonçalo do Amarante, Canoa Quebrada, Aquiraz e Itapipoca. Ao todo, 74 companhias, grupos ou artistas foram contemplados. Atrações de 6 países e de 6 estados brasileiros integram a mostra.

Ao falar dos tempos atípicos em que a realização se dará, o organizador do festival, Ângelo Márcio, reafirma que o circo foi um dos setores da arte que mais sentiram os efeitos da pandemia. “Os circos itinerantes vivem dos ingressos. São famílias inteiras, diversos artistas passando por necessidade”. Diante disso, foi criada, dentro do evento, a ação “Ninguém fica de fora”. Com isso, todos inscritos do Ceará foram aceitos como parte da edição de 2020.

Apesar de reconhecer a importância da adaptação aos meios virtuais, como forma de se chegar onde ainda não é possível de outro modo, Ângelo confessa a falta pessoal que o contato tem feito para ele, que é um homem das artes cênicas. “Eu quero ver alguém rindo comigo ou chorando comigo, a arte do encontro, de sair para ocupar os espaços e ver coisas. Ir ao circo envolve se preparar, se arrumar, fazer um trajeto, ver as luzes, entrar no espaço. Tudo isso faz falta”.

Legenda: A Cia TrupeÇando (foto), da Paraíba, é uma das atrações confirmadas na 7ª edição do Festival Internacional de Circo do Ceará
Foto: Johanna Garavito

Vislumbrando chegar a um lugar da arte que só é acessado frente a frente, a organização do festival se encontra num momento de avaliar as possibilidades de encontro, sem que seja comprometida a segurança e a saúde de artistas e plateia. “A grande questão agora é: menos é mais. Estamos pensando em locais em que se possa ter o controle do número de pessoas, de olho em como os eventos estão acontecendo fora do país, em lugares que estão retomando os eventos. Inspirados nestas experiências é que vamos traçar nossas estratégias”.

SERVIÇO

Cirque Amar

Espetáculos de terça a sexta-feira às 20h30 e aos sábados, domingos e feriados às 16h, 18h e 20h30

Na Av. Washington Soares, nº 1.000

Mais informações em: bilhetecerto.com.br

Ou pelo Whatsapp: (85) 9.9848-9293

7º Festival Internacional de Circo do Ceará 

Em novembro e dezembro de 2020, com programação virtual e presencial

Mais informações em: festivaldecircoceara.com 

E nas redes sociais do evento: Instagram @festivalcircoceara e Facebook @festivaldecircodoceara

Contatos: (85) 3459-0096 e festivaldecircoceara@gmail.com