Cinema Drive-In, nostalgia oportuna

As exibições de filmes para o público que acompanha de dentro do carro voltaram a existir, com a necessidade de isolamento social, e proporcionam uma experiência diferente a quem está com saudade da sala escura

Legenda: Na foto, o filme "A Vida é Bela" sendo exibido no estilo drive-in, em Fortaleza, para dezenas de espectadores

Não faz muito tempo, isso de ir ao cinema e assistir à trama de dentro do carro, era coisa de filme, com o perdão do trocadilho. O drive-in, que entre os anos 1950 e 1960 foi opção corriqueira de divertimento, virou, no atípico ano de 2020, alternativa diante da impossibilidade temporária de se estar em uma sala de cinema.

A relação com a sétima arte se transformou muitas vezes. Na história recente, os streamings, responsáveis por deixar no passado o universo das videolocadoras, fizeram com que diversos catálogos cinematográficos estivessem ao alcance de um toque. Das produções de comédia às de terror, passando inclusive pelas séries (que nunca antes foram tão populares): tudo está na palma da mão. 

Mas não é só disso que se trata o “ir ao cinema”. O ritual vai muito além da obra audiovisual e a gente sabe disso. A expectativa pela estreia, que ainda costuma se restringir, na grande maioria dos casos, às salas de exibição; o cheiro da pipoca que fazemos questão de comprar, a despeito do superfaturamento que costuma existir; a falta primordial dos botões de pausa, retrocesso ou avanço, que faz com que os olhos estejam atentos para não perderem nenhum detalhe...

Além disso, cinema é mãos dadas, gargalhada e choro coletivos e até salva de palmas, nos casos de maior emoção. É a socialização que tanto tem feito falta. Uma vivência com a arte capaz de trazer ineditismo à experiência de apreciação de uma obra que é fechada. 

Depois de muitos meses sem haver essa possibilidade, o drive-in, cinema de dentro do carro (e não só isso, outros espetáculos e atrações também entram no hall das possibilidades deste tipo de entretenimento), surgiu em Fortaleza. E tem diferentes opções disponíveis pro público.

Vi, vivi e curti

Com duas experiências nesta modalidade, já me sinto espectadora veterana e posso dizer que, em tempos de isolamento social, a oportunidade de curtir o cinema desse jeitinho tão retrô está entre as opções mais interessantes e seguras de divertimento no momento atual.

Legenda: "A Vida é Bela" foi o filme responsável pela minha primeira experiência com o modelo de cinema drive-in
Foto: Arquivo Pessoal

“A Vida é Bela” foi o primeiro filme que assisti de dentro do carro, num domingo à noite. Apesar de ter ouvido comentários sobre ser uma atração de “sessão da tarde”, não me incomodei pelo título ser antigo, ao contrário. Eu ainda não tinha assistido à obra, que figurava na minha lista há tempos. Aproveito para adiantar, aos atrasados como eu, que vale muito a pena. Geralmente, filmes que têm a Segunda Guerra Mundial como temática costumam ser absurdamente pesados, mas o roteiro bem construído e a atuação excepcional do protagonista Roberto Benigni conseguem laçar o espectador de forma bastante peculiar.

A segunda produção foi nacional e está circulando pelo Brasil, justamente nos cinemas do tipo drive-in. “Volume Morto” traz no enxuto elenco Fernanda Vasconcellos, Júlia Rabello, Daniel Infantini e Fernanda Viacava. O suspense, que me deixou sem fôlego, ansiosa e me causou outras tantas sensações que os bons filmes deste gênero geralmente trazem. A falta inexplicada de respostas para as tantas questões que nascem entre as cenas, no entanto, me fez questionar (em looping) qual o sentido do que eu tinha acabado de assistir.

Legenda: Fernanda Vansconcellos em "Volume Morto". Suspense brasileiro é capaz de tirar o fôlego, mas deixa muitas questões não respondidas
Foto: Guilherme Silva / Cineteatro São Luiz

A ideia aqui não é fazer a crítica mais específica do primeiro ou do segundo título, por isso, não darei mais detalhes sobre os enredos, atuações ou quaisquer outros aspectos das obras. Sobre isso, me restrinjo a concluir que teria cada uma das experiências de novo, a fim de observar nuances que tenham passado despercebidas nas primeiras vezes.

Detalhes técnicos (ou só curiosidades mesmo)

Voltando ao tema principal, não posso deixar de ressaltar que o conforto do cinema precisa ser ressignificado ao falarmos de drive-in. O primeiro ponto é percebido antes mesmo de a sessão começar, no hora do planejamento. É que o custo dos ingressos pode ser bem mais alto, principalmente para quem quiser ter a experiência sozinho, já que se paga pela vaga, podendo ter o carro até 4 ocupantes (pelo menos essa era a orientação nos dois espaços que frequentei).

Outra questão é a posição para assistir ao filme. A cadeira de cinema todo mundo já conhece. Os melhores e piores locais dentro da sala também. Já no drive-in, o local não costuma ser marcado e há chances de a visibilidade ficar comprometida pela coluna do carro. É preciso certo malabarismo para, enfim, encontrar um jeitinho de curtir a sessão em posição confortável.

Legenda: Vale lembrar: drive-in não é só cinema, diversas outras atrações podem ser conferidas por meio desse modelo de negócio. Na foto, Gleidson Jackson, artista cover do cantor Michael Jackson, se apresenta antes do início do filme "Volume Morto"
Foto: Guilherme Silva / Cineteatro São Luiz

Por último, mas nem um pouco menos importante, vem o som. Desde que soube que o drive-in chegaria à Fortaleza, comecei a pensar na forma com que o áudio do filme seria reproduzido. Quando cheguei ao primeiro cinema-de-carro, para a minha surpresa, a indicação: sintonize o som do seu carro à estação tal. De cara, veio o medo de o rádio não estar funcionando. Na sequência, ao apreciar um som límpido, perfeitamente sincronizado, e na altura que eu quisesse ouvir, a exclamação: genial! Na segunda sessão, infelizmente, peguei algum tipo de interferência e tive de acompanhar o filme inteiro com um chiadinho de fundo. Faz parte.

O certo é que, exceto o fato de que um filme é projetado na telona, poucas coisas se assemelham ao cinema convencional. Quando a experiência com a sétima arte acontece de dentro do carro, se cria um novo tipo de contato com a obra audiovisual. De quebra, reside aí a possibilidade de sair de casa sem tanto risco de contaminação, um ponto importante a se destacar nesses tempos. A novidade (nada nova) do drive-in é proveitosa e pode servir de alento aos corações mais cheios de saudade, seja da sala de cinema ou de tempos passados.

Eu, particularmente, não vejo a hora de ter, de novo, meus assentos transformados em poltronas e meu carro, cheirando a pipoca, com mais história pra contar.

SERVIÇO

DRIVE-IN EM FORTALEZA

Imprensa Cine Drive-in

Local: Estacionamento do Imprensa Food Square (entrada pela Rua Barbosa de Freitas, 2222)

Informações em: instagram.com/imprensafoodsquareoficial

Go Dream Fortaleza

Local: Estacionamento do Centro de Eventos do Ceará (Av. Washington Soares, 999 - Edson Queiroz)

Informações em: instagram.com/godreamfortaleza

Cine Vozão Drive-in

Local: Estacionamento do Shopping Iguatemi (Av. Washington Soares, 85 - Edson Queiroz)

Informações em: instagram.com/cearasc