Quem morre? Quem atira?

Escrito por Mariana Lobo ,

Legenda: Mariana Lobo foi Defensora Geral do Estado do Ceará
Foto: Léo Andrade/Ascom

Cotidianamente, as manchetes dos jornais alarmam: Morre uma menina trans/ Rapaz gay é alvo de agressões. Seria número em estatística - se assim tivéssemos uma política pública que colhesse estes dados. No entanto, é mais: tem rosto, história, uma família chorando e uma trajetória de vida, quase sempre marcada por vulnerabilidades. 

Foi assim com Luana, que no último dia 26, foi assassinada no Cariri. Sem documento civil. E não falo do documento que ateste seu gênero, direito mais que legítimo e assegurado pelo STF. Falo de qualquer documento que comprove sua existência. Para a sociedade, ela nem nasceu e já foi levada da vida por um crime que, provavelmente, padeceremos sem autoria. Estatística. 

A epidemia que vivemos é anterior à pandemia da Covid-19. Ela mata milhares de gays, lésbicas, trans e travestis em todos os recantos deste País. Hoje, 17 de maio, é o Dia Internacional de Luta Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia. Esta, como algumas outras datas no calendário de lutas LGBTQI+, serve para trazer à tona as realidades, por vezes, invisíveis ou que olhamos como uma surpreendente “naturalização”. 

Daí ser tão importante repensarmos a forma como os relatos de violência são apresentados todos os dias: lancemos nosso olhar, sem banalizar ou justificá-la, mas reconhecendo com maior clareza seus agentes: quem está morrendo? Quem está matando? 

Temos avanços, claro. Em dez anos, o casamento homoafetivo passou a ser reconhecido e naturalizado, vide a celebração de celebridades como Paulo Gustavo e Thales, que levantam bandeira e abrem caminhos. Temos a adoção de crianças e jovens por pessoas homossexuais, ato cotidiano nas Defensorias da Infância.

O direito ao nome social legitimado e facilitado, direito básico e imprescindível para assegurar a autoestima e respeito à população trans e travesti. Temos a criminalização da LGBTfobia, recente vitória dos movimentos sociais. 

Mas essas conquistas são passos para quem precisa correr uma maratona contra o preconceito estrutural da cultura brasileira. Falamos de machismo, patriarcado, conservadorismo, por hora, enaltecidos pelo obscurantismo de quem governa. A ausência deste debate público e a influência religiosa no Estado tem sido nociva e mortal. 

Necessitamos retomar a política pública nacional que abrace a população LGBTQI+, de ter estratégias de enfrentamento às recorrentes violações na saúde, educação, emprego e renda. É preciso pautar uma educação em direitos pela diversidade - sinônimo da população brasileira - e implementar políticas que combatam a discriminação e preconceitos, as violências de gênero e a violência homo, lesbo e transfóbica. 

Precisamos compreender que a luta pelos direitos de LGBTQI+ é ampla e perpassa direitos fundamentais, como a liberdade individual de ser quem se é, o exercício da cidadania e o direito de qualquer ser humano: viver. 

Mariana Lobo 
Defensora pública estadual e supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas

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