PEC 01/2022: para além da inconstitucionalidade

Escrito por André Xerez ,
André Xerez é advogado especialista em direito eleitoral e doutor em direito do Estado pela USP
Legenda: André Xerez é advogado especialista em direito eleitoral e doutor em direito do Estado pela USP

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 01/2022, que expande os programas Gás dos Brasileiros e Auxílio Brasil, e institui auxílio para caminhoneiros autônomos, efervesce a política nacional. O texto foi aprovado no Senado Federal e agora a discussão segue na Câmara dos Deputados. Sua eventual aprovação autoriza constitucionalmente o Executivo Federal a distribuir benefícios sociais a menos de três meses das eleições, devidamente amparado por uma duvidosa decretação de estado de emergência, a fim de afastar a vedação expressamente estabelecida na legislação eleitoral. 

O flagrante casuísmo da propositura, que suscitou graves questionamentos e desconfianças sobre sua constitucionalidade, tende a ser discutido no Supremo Tribunal Federal, caso a PEC venha a ser promulgada. Nesse cenário, a história responsabilizará o STF não apenas pela decisão quanto ao futuro da proposta, mas, sobretudo, acerca do futuro do constitucionalismo contemporâneo. 

Ao analisar o teor da PEC, é difícil sustentar a sua inconstitucionalidade. Na condição de emenda à constituição, não é possível falar que ela afronta à legislação eleitoral ou às normas de responsabilidade fiscal, visto que está acima das leis infraconstitucionais na pirâmide normativa. Por isso, o parâmetro de controle da emenda constitucional é somente a própria constituição, na parte em que ela mesmo define as matérias que não são passíveis de reforma (separação dos poderes, forma federativa, direitos e garantias individuais e voto secreto, universal e periódico).

Assim, o acerto ou desacerto do juízo político sobre a decretação oportunista de um estado de emergência não aponta manifestamente uma violação direta àquelas matérias intangíveis do texto constitucional. O problema da emenda está, na verdade, no âmbito dos limites implícitos ao poder de reformar a Constituição. A proposta atenta contra toda a razão de ser do constitucionalismo. Essa emenda representa a captura do direito constitucional pelos caprichos do poder político. É a dissolução do direito pela política. É a desconstitucionalização do direito constitucional. Ela esvazia o sentido da própria ideia de uma Constituição. 

André Xerez é advogado especialista em direito eleitoral e Doutor em Direito do Estado pela USP 

 

Consultor pedagógico
Davi Marreiro
16 de Abril de 2024