Pandemia e tragédia

Escrito por Paulo Avelino , silva@paulo.avelino.nom.br

Édipo reinava sobre Tebas. E seu Reino sofria sob uma peste. Édipo não era um mau rei. Ao saber da epidemia recusou-se a receber informações através de ministros. Saiu do Palácio, não para gritar palavras de ordem ou insultar adversários, mas para ouvir o povo. 

Assim Sófocles começa aquela que Aristóteles depois escolheria como modelo de Poética e que Gabriel García Marquez consideraria a mais perfeita história já contada, Édipo-Rei. Que, como toda boa tragédia, não termina bem.

Édipo fez tudo correto. Agiu mas não agiu precipitadamente – consultou especialistas. Naquela época, especialistas pouco tinham a ver com pessoas de jaleco a mexer em tubos de ensaio e com diplomas de pós-doutorado pendurados na parede. Os especialistas eram os oráculos dos deuses, como o de Delfos.

E quando veio o parecer dos deuses, não os contestou. Eles diziam que a cidade estava sendo castigada pelo assassinato do antigo Rei Laio e que a peste não cessaria até que fosse punido o assassino. 

Édipo tomou então a providência lógica de fazer uma investigação para identificar o criminoso, incluindo a inquirição de testemunhas do antigo fato.

Anos antes disso Édipo recebera a notícia de que ele estava destinado a matar o seu pai – pois pensava que era filho de outro. Tomou providência sensata – fugiu para longe. Nessa fuga, encontrou por acaso o seu verdadeiro pai e o matou em uma rusga de estrada. E anos depois conduziu as investigações que o fizeram saber da própria desgraça.

Tragédia tem a ver com inevitabilidade – não com inação, nem mesmo com ações (ou políticas) erradas. Édipo fez o que era correto, fez o racional – mas ninguém escapa dos desígnios dos deuses. A atual Pandemia, especialmente na sua gravidade no Brasil, tem a ver com escolhas.

Há décadas os especialistas advertiam para o risco de acontecerem. Desde o início se divulgaram medidas aconselhadas por especialistas – conselhos muitas vezes ignorados. Nada havia de inevitável nisso. Foi uma escolha.

A Covid-19 é desgraça, é horror, mas não se deve chamá-la tragédia. Tragédias são determinadas pelos deuses. Horrores são, ao menos em grande parte, feitos por nós.

Paulo Avelino
Administrador

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