O que dizem os clássicos

Escrito por Sérgio Luís de Holanda Barbosa Soares Araújo - Defensor público e supervisor das Defensorias Pública ,

Apesar de seu ineditismo, a pandemia ocasionada pelo coronavírus promove também reflexões e buscas de entendimentos a partir das teorias clássicas do poder.

Para o momento, todos estão igualados pela mesma vulnerabilidade e risco da morte iminente. Existe a diferença de quem está mais exposto ou não. Mas ricos, pobres, novos, velhos, brancos e pardos estão mais iguais do que nunca e ainda assim, prevalece a ideia de que uns são mais abençoados, importantes e imunes que os outros, fazendo com que se expressem negando o próprio avanço civilizatório e científico.

Quando se fez a opção por viver em sociedade e pelo pacto social se aceitou a submissão da liberdade absoluta em favor do grupo social. Basta revisitar Rousseau. Chegou-se ao consenso de que qualquer decisão deve ter como norte a prevalência do interesse do grupo e que, no momento, volta-se a preservação da saúde e da vida. Contudo, abriu-se o debate sobre se a preservação da vida estaria condicionada a condições materiais de assegurá-la.

O debate que deveria seguir o ineditismo imposto curvou-se a discussões primitivas que levam à revisitação dos escritos de Hobbes e Maquiavel, onde o primeiro registrou que o "homem é lobo de si próprio", enquanto o segundo que "os fins justificariam os meios". Com eles pode-se entender os que atribuem equivalência de proteção dada à vida, às riquezas e aos meios de produção. Nesta busca de vida e abundância assume-se o risco da morte, para si e para os outros, confirmando o "lobo de si mesmo" e que "os fins justificariam os meios". A busca pelo dinheiro, manutenção do lucro e status quo justificaria a morte ou o risco da morte. Contudo, a história reservou o obscurantismo ao Absolutismo.

Na base deste enfoque econômico, verifica-se que a "mão invisível do capital" e o "laissez faire e laissez passer", de Adam Smith, são insuficientes para assegurar as condições necessárias de obtenção do lucro pretendido. A teoria do capital tem cedido espaço para a necessidade de intervenção estatal e do socorro público. As medidas adotadas pelos EUA, maior centro econômico do mundo, demonstraram ser imprescindível tal socorro. A necessidade de higidez social se impôs, provavelmente porque contabilizaram os prejuízos que a pandemia trará (famílias sem o provedor; pensões por morte; mão de obra perdida; efeitos psicológicos de massa; desigualdade social e seus problemas, dentre outros).

Em terra brasilis, mesmo diante da pandemia, o olhar continua para implantação de um modelo de intervencionismo viabilizador do capital para justificar a diminuição de ações estatais, apesar da previsão do aumento da desigualdade social e da vulnerabilidade da população. O inesperado ainda não foi contabilizado para revisão das decisões políticas e econômicas. Para o momento, se viu um favorecimento do "capital" através das política de empréstimos a favorecer o sistema bancário.

Neste mundo que se diz civilizado, a pandemia veio para mostrar o quanto ainda estamos a um passo da barbárie. Ou há um passo do que realmente seja civilização. A pandemia é fato e dela não há como fugir, nem como negá-la. Sua superação perpassa pela revisitação dos pilares do mundo moderno e do próprio Estado contemporâneo.

Mas, de tudo que se vê, o desejo e interesse comum parece estar melhor representado pelos valores da fraternidade e solidariedade, encampados pelo modelo do Estado do bem-estar social. O inédito seria a sua efetivação.

Consultor pedagógico
Davi Marreiro
16 de Abril de 2024