Morte, amor e outros abismos

Escrito por Sávio Alencar , salencarlimalopes@gmail.com

Primeiro eu tive que ler o romance de estreia de Lorena Portela para conhecer Jeri, onde a autora ambienta a narrativa de “Primeiro eu tive que morrer”. Para lá foge sua protagonista, uma jovem publicitária tentando refazer a própria vida.

O percurso da publicação, independente, chama a atenção pela boa recepção desde seu lançamento, ainda no ano passado – um best-seller de autora cearense que trocou o calor de Fortaleza pelo fog londrino.

O livro capta o espírito de seu tempo: jovens adultos enclausurados em exaustivas jornadas de trabalho, segurando as pontas, como se diz, porque um dia alguém assim recomendou.

Adoecida, a protagonista encontrará em Jeri sua tábua de salvação, aspecto que confere à narrativa um arco aparentado do romance de formação, segundo o qual a personagem precisa passar por uma provação para se ver transformada.

“Jeri é pé na areia, caipirosca de seriguela em copo de plástico, PF depois da praia, crepe à noite, brownie de ervas clandestinas, forró com cachorro assistindo, pão quentinho de madrugada e pousada barata, porém honesta.”

É numa dessas pousadas, como a de Sabrina e Ana, que a narradora passa seus dias, vivendo de mar e brisa e integrando-se ao cotidiano daquela vila.

Até que a ela se junta a Gloria, uma amiga vinda do Chile e com quem, tempos atrás, tivera um ensaio de romance, que então ganhará versão quase definitiva sob o sol de Jericoacoara.

Não falta amor em “Primeiro eu tive que morrer”. Nem morte. Esses dois temas caminham juntos e fazem de Guida, uma senhora com ares de curandeira que a narradora conhece em Jeri, a personagem mais interessante da história.

O capítulo dedicado a Guida, pois, é o ponto alto do romance, gênero desafiador para um livro de estreia e por isso mesmo revelador de uma ou outra assimetria, que a maturidade da autora certamente saberá aperfeiçoar.

Orquestrando histórias de mulheres num livro de mulheres – a edição é ilustrada por diversas artistas –, “Primeiro eu tive que morrer” é um exemplo de como se pode entrar na literatura com honestidade, foi a impressão que tive durante o lançamento do livro aqui na cidade, há algumas semanas.

Oxalá não faltem histórias para Lorena Portela.

Sávio Alencar
Pesquisador de literatura 

Consultor pedagógico
Davi Marreiro
16 de Abril de 2024