Maus-tratos a animais e novas penas

Escrito por José Hugo de Alencar Linard Filho ,

Os seres vivos formam unidade no meio ambiente. A relação entre humanos (espécie única) e os animais não humanos (inúmeras espécies) é imanente, complexa e não se mostra equilibrada. Noção segundo a qual estes não são meio àqueles e dilemas éticos vêm da antiguidade. Sob o contexto antropocêntrico, seres sencientes são cruelmente tratados enquanto a convivência reclama o oposto: respeito, empatia e compaixão.

Visando ampliar proteção por intermédio do que deveria ser ultima ratio, entra em vigor a Lei nº 14.064/2020, que acrescentou o parágrafo 1º-A ao art. 32 da Lei nº 9.605/1998 (Crimes Ambientais) para aumentar as penas do delito de maus-tratos quando se tratar de cão ou gato, passando a ser reclusão, de 2 a 5 anos, multa e proibição da guarda do animal.

As condutas (caput) são: praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais. Critica-se a ausência de delimitação aos elementos abuso e maus-tratos. Não raro requer-se laudo médico-veterinário. Diferente do Código Penal espanhol, o verbo abandonar não foi incluído, mas pode ser meio executório se resulta perigo ou dano.

Pune-se a tentativa. O tipo exige dolo (vontade livre e consciente de realizar qualquer das condutas) e não prevê forma culposa (por negligência, imprudência ou imperícia), razão pela qual eventos não intencionais são atípicos, assim como, por mais razão, os casos fortuitos.

A novel qualificadora guindou o ilícito a médio potencial ofensivo, retirando-o da competência do Juizado Especial e da aplicação de medidas despenalizadoras da Lei nº 9.099/1995, inclusive o sursis. Em caso de prisão em flagrante, não será possível fiança na delegacia.

Sem adentrar o mérito de política criminal acerca da proporcionalidade da pena e da menção somente aos animais domésticos mais comuns, nem perder de vista a ideia de que tamanho de pena não é determinante para redução da criminalidade, a reprimenda por maus-tratos aos demais animais continua aquém do esperado.

A necessidade por consciência ambiental e atitude ética para com os animais antecede o recado punitivo. Dignidade animal está para a fauna tanto quanto a dignidade humana - matriz de direitos fundamentais - importa para a humanidade. Como diria Boaventura de S. Santos, a natureza não nos pertence, nós é que pertencemos a ela.

José Hugo de Alencar Linard Filho
Delegado de Polícia Civil/CE

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