Literatura em pijama e chinelos

Escrito por Sávio Alencar , salencarlimalopes@gmail.com

Legenda: Savio Alencar é pesquisador em Literatura
Foto: Arquivo pessoal

Está por ser escrita uma história da literatura brasileira moderna cuja perspectiva fuja das tramas oficiais da consagração, longe das ideias às vezes paralisantes de cânone, fama, projeção. Lá se vão cem anos desde que o escritor brasileiro se profissionalizou e viu no seu ofício um modo de ganhar o pão de cada dia. Ainda que parcialmente. Como se sabe, raros foram os casos de quem não se dividiu entre a literatura e o batente de repórter ou burocrata.

Mas, nesses intervalos, o que foi feito de nossa vida literária? Não tenho dúvida de que, em algum lugar desse país, o ócio, o lazer, o sono, a boa vadiagem, os ritos íntimos e pessoais fermentaram pequenas e grandes obras. Já me interroguei muito a respeito e, como Jorge Amado, pensei em investigar a questão.

Quem dá notícias do interesse do escritor baiano pela vida ao rés do chão de nossos ficcionistas é Lucila Soares, no seu saboroso “Rua do Ouvidor 110”, livro em que a jornalista narra a história da lendária Livraria José Olympio, ela mesma ponto decisivo na formação de nossa literatura moderna.

Como principal redator do jornal “Dom Casmurro”, Jorge pretendia entrevistar mulheres de escritores. “A intenção, claro, era que elas revelassem como eram seus maridos na intimidade”, diz Lucila.

A citação a que a autora recorre para ilustrar a ideia que Graciliano Ramos achou “completamente descabida” serve de síntese dessas entrevistas que hoje chegariam como fonte valiosa aos biógrafos de escritores. Reproduzo-a aqui: “Jorge Amado espera que essas senhoras sejam francas e nos mostrem a literatura nacional em pijama e chinelos, escovando os dentes, aparando os calos, consultando o dicionário, engolindo cápsulas de aspirina.”

Enquanto não escrevo essas histórias ou não tenho notícias de uma boa alma dedicada à atividade, me contento com as que encontro nas cartas de escritores, cheias de, como diz Otto Lara Resende, “pequeninos nadas me atormentando e entulhando a vida”. Até lá, sigo o conselho do escritor mineiro: “Deixar ao tempo, que ele vai tecendo o nosso caminho, com a agulha caprichosa do destino”.

Sávio Alencar 
Editor e pesquisador de literatura

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