As estátuas e a memória

Escrito por Marcos José Diniz Silva ,

A dinâmica da vida social humana é marcada pela produção de experiências e suas respectivas representações. As formas de registro são variadas e, intencionais ou não, refletem a necessidade humana de entender-se com seu passado. Mesclando elementos intercambiáveis da memória individual, da memória coletiva e da memória social ou histórica, onde também se situa a produção dos profissionais historiadores, essas representações do passado alimentam, dirigem, ordenam e consolidam dominações, como também resistências, pois não deixam de ser produtos dos interesses de sobrevivência, perpetuação e glorificação. Há, portanto, nesse entrelaçamento da memória com a história, um impulso perpétuo à adequação ou à mudança na representação das marcas do nosso incessante, e sempre presente, passado.

Esse introito, um pouco esotérico aos não afeitos aos debates históricos, pode servir à reflexão sobre as últimas notícias de derrubada de estátuas de personagens escravocratas e racistas nos Estados Unidos e na Inglaterra, em virtude das lutas do movimento "Vidas negras importam", em resposta ao assassinato de Geoge Floyd, e que tem repercutido no Brasil, onde também continuam sendo questionados monumentos a Bandeirantes em São Paulo, por exemplo.

Liderado pelo movimento antirracismo e apoiado por grande número de pessoas em todo o mundo, esses eventos não devem ser tidos como apagamento da memória da nação, mas como prova de que nossa identidade é produto de engenhos memoriais que tem representado quase exclusivamente, ao longo do tempo, os ideais e as realizações das elites e, portanto, sempre sujeitas à permanente revisão para uma reelaboração da memória histórica cada vez mais consciente de sua pluralidade.

Mais que derrubar essas estátuas, deve-se dissecá-las para revelar as tramas do tempo nelas incorporados.

Marcos José Diniz Silva

Historiador e professor da Uece

Consultor pedagógico
Davi Marreiro
16 de Abril de 2024