O último dos tisiologistas... Centenário

O 25 de dezembro, Natal do Senhor, também o é de um grande médico. De Jaguaribe, há cem anos nascia Gilmário Mourão Teixeira. Fez-se médico pela Faculdade de Medicina de Pernambuco. Durante muitos anos, fui médico de sua irmã mais velha, Enedina Teixeira, casada com o senhor J. Barreira, pai do ex-reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Renê Barreira. Enedina era uma mulher alta, esbelta, de fala firme. Por ela conheci monsenhor Mourão.

A Igreja de Fortaleza tinha três pilastras de sustentação. Os monsenhores Camurça, Landim e Mourão. Este foi o responsável pela construção do Hospital Cura D'Ars. Dr. Gilmário, eu o conhecia através das pesquisas bibliográficas sobre tuberculose.

Quando a nossa reunião do Iate se desfez, professor Agamenom aglutinou ao seu redor um grupo de provectos senhores, já aposentados, literatos, intelectuais, sedentos por cultura. Passamos a nos reunir na Livraria Cultura. Uma reunião espartana. Simples. Uma comunhão de saber. Foi quando me aproximei do Dr. Gilmário.

Mesmo com a idade se antecipando à sua mobilidade, exibia uma elegância de maneira sóbria. Falava meditando. Escutava muito. E nos cobria de sabedoria e de experiência de vida. Era sucinto e pontual nos seus comentários. Não era chegado às famosas digressões, que adoramos.

Saía impreterivelmente às 7 horas. Frugal nas palavras e nos gestos. Sério, sem ser sisudo. Escondia-se quando navegávamos nos seus feitos. Simples, gostava mais de falar sobre os outros, do que de seu luminoso caminhar.

Gilmário foi um dos fundadores da Faculdade de Medicina da UFC. Dedicou-se, arraigadamente, ao estudo da tuberculose. Uma doença impiedosa. Imbatível e invencível, a tísica ia minando quem ousasse a se antepor a sua frente. Sem contemplação. Ceifava milhões de pessoas. Uma pandemia. Não poupava ninguém. Visitava ricos e pobres. Cortejava palácios e casebres. Arrancava a vida de poetas, boêmios e cândidas santas.

A sua tosse fúnebre. Era quase um dobrar de sinos anunciando a morte. O lenço ensopado de sangue. A vômica apodrecida. A hemoptise indevida. E aquele hálito de morte a pairar sobre o pobre tísico. Alvéolos rompidos. Brônquios arranhados e a morte se avizinhando a cada aurora, sem sol e sem esperança.

Gilmário foi da Organização Pan-americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPS/OMS), na América Latina, este lutador competente contra um mal tão dantesco e mortal.

Hoje, o nosso querido Gilmário torna-se centenário. O Grupo Edson Queiroz o contemplou com a cobiçada Sereia de Ouro. Melancólico pela perda da esposa, e arqueado pelo peso de tantos anos de luta, desejaria celebrar esta data de maneira diferente. Mas nós que o admiramos tanto o abraçamos com imenso carinho e sagrado respeito. Parabéns.

José Maria Bonfim de Morais

Médico e teólogo