0 Mar, as pedras, a areia ...

Escrito por João Soares Neto ,

Há meses acompanho uma luta diária. 
Da minha janela, silente, sondo o embate na divisa entre praias próximas.
A cada novo dia há uma insurgente batalha. Repito, faz meses. 
Montes de areia foram criados por vômitos de escavadeiras.
Vai que a saudade de um amigo silente, Erasmo Pitombeira, se faz viva. 
Pitombeira era especialista em mediar e domar encrencas no litoral brasileiro. Aqui, sabia de tudo.
Do Icapuí até o encontro do rio e do mar, além de Camocim.
E a cada amanhecer parece que vejo o engenheiro Erasmo a cofiar, com dedos da mão direita, o seu grisalho e exuberante bigode. Esboça sorriso tímido.
Com os seus olhos graúdos envidraçados por óculos, parece calcular o que a noite levou de areia entre marés, mesmo que represadas.
Ele ri de soslaio e acompanha o barulho de tudo isso.
São protagonistas, de um lado, o mar atlântico ou um quinhão seu de água salgada, vagas tristes com brancas espumas a teimar em desobedecer.
Do outro, revolvendo areia da beira da praia, revezam-se, com os atentos guiadores, duas máquinas retroescavadoras que insistem em criar um bolsão arenoso, mediado por quebra-mares de pedras graníticas de difusos tamanhos.
Saio da janela e fico ouvindo o marulho entre as pedras amontoadas, sem esquecer dos montes de areia que, como se resistindo, vão diminuindo pouco e nada se define.
Passei mais um dia e mais outro, 
a esperar e a ver quanto tempo durará.
Os serviços das retros são controladas por horimetros. Escuso-me a contar as horas, tantas já são e outras, serão.
Há uma luta sem pausa das marés.
Olho longe, Vejo parte, mínima que seja do mar-oceano e lembro de Fernando Pessoa, por seu heterônimo Álvaro de Campos, de quem absorvo:
“A imensidade imensa do mar imenso!
Eh manipuladores dos guindastes de carga!”.
Novembro, 2021.

João Soares Neto é cronista

 

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

Consultor pedagógico
Davi Marreiro
16 de Abril de 2024