Novas ofertas de ações em 2020 podem ser adiadas por coronavírus

Isso porque o receio aos impactos econômicos do coronavírus têm mexido com Bolsas globais em níveis semelhantes aos da crise de 2008

Escrito por Redação ,
Legenda: A desvalorização do mercado torna mais difícil o processo de "valuation" – avaliar o quanto uma empresa vale para vendê-la
Foto: Divulgação

As empresas brasileiras que querem abrir capital na Bolsa este ano podem ter que atrasar a estreia no mercado. Isso porque o receio aos impactos econômicos do coronavírus têm mexido com Bolsas globais em níveis semelhantes aos da crise de 2008. E uma estreia em meio a fortes quedas pode prejudicar a companhia, derrubando o seu valor de mercado.

A reportagem apurou que o BV (antigo Banco Votorantim) deve esperar ao menos duas semanas para avaliar a possibilidade de fixar uma data para o IPO (oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês).

Enquanto isso a locadora de veículos pesados e equipamento Vamos fechou o cronograma fixando a faixa de preço a que pretende vender suas ações e anunciou o plano de precificar os papéis em 25 de março. O plano é movimentar até R$ 1,5 bilhão na oferta. A manutenção do calendário da Vamos é o contrário do esperado do mercado de IPOs em períodos de turbulência.

Em um único pregão de fevereiro, por exemplo, a Bolsa brasileira despencou 7%. No mês passado, o índice acumulou a pior queda (-8,5%) desde a paralisação dos caminhoneiros, em maio de 2018, quando o Ibovespa caiu 10,9% no mês. Os tombos prosseguiram na primeira semana de março.

A desvalorização do mercado torna mais difícil o processo de "valuation" – avaliar o quanto uma empresa vale para vendê-la. Nessa estimativa, um componente importante é a comparação com pares do setor que já estão na Bolsa. Em momentos de aversão a risco, o valor de companhias pode ficar distorcido e levar a estreante a ser avaliada por muito menos que o esperado pelos acionistas.

"Com um cenário inesperado e complexo de ações aqui e lá fora é difícil discutir 'valuation'", afirma Alessandro Farkuh, chefe da área de banco de investimento do Bradesco.

Outro agravante é que a epidemia de coronavírus está levando a uma redução de viagens, para evitar a disseminação da doença. Acontece que, no IPO, é crucial visitar investidores. É o processo chamado de road-show, quando a companhia é apresentada a seus potenciais novos acionistas.

Segundo Alexandre Pierantoni, responsável pela área de finanças corporativas no Brasil da consultoria Duff & Phelps, o atual cenário alterou a perspectiva do mercado de capitais no curto prazo, mas não no médio e longo.

"Não vai ter IPO e roadshow semana que vem, mas o planejamento anual não foi afetado. A janela de ofertas vai se deslocar mais para frente neste ano, mas não vai se fechar".

"Pode ser que o coronavírus atrase os IPOs, mas não os protocolos, que já estão encaminhados. Os ofertantes observam a aversão a risco, mas não estão desesperados", diz Carlos Mello, sócio do Lefosse Advogados, escritório que auxilia companhias no processo de abertura de capital.

Desde que o surto do coronavírus se intensificou, na volta do Carnaval, oito empresas fizeram seus pedidos de IPO na CVM (Comissão de Valores Mobiliários). O motivo é o prazo final para usar os dados do último trimestre de 2019. Perdendo essa janela, companhias precisariam refazer os papéis com os números do primeiro trimestre deste ano.

"Quem já contratou assessores para o IPO vai em frente pelo menos com os protocolos, mesmo que seja para esperar. O IPO tem toda uma preparação, dá um trabalho miserável", completa Mello.

Após o pedido ser aceito pela CVM, a companhia tem cerca de sete meses para, de fato, ir a mercado. Para o diretor de mercados internacionais da Nyse (Bolsa de Valores de Nova York), Alex Ibrahim, apesar da maior volatilidade que a doença traz para as Bolsas, a tendência é que a situação se estabilize um pouco no longo prazo.

"O problema, agora, é que existe muita incerteza sobre como essas operações vão a mercado, uma vez que ainda não se sabe como o coronavírus pode se desenvolver. As companhias tendem a esperar que os momentos de maior volatilidade passem antes de dar continuidade ao seu processo de abertura de capital", afirmou o executivo.

Segundo Farkuh, do Bradesco BBI, a janela de IPOs até abril pode render 30 aberturas de capital, seis vezes mais do que as operações de 2019. Fora as quatro operações realizadas no início do ano, já estão protocoladas na CVM (Comissão de Valore Mobiliários) outras 27.

"Mesmo com um cenário de incertezas, este ano deve superar 2019 em número IPOs. Vamos ver volume maior também. Continuamos convictos que os drivers domésticos não mudaram de direção", diz Farkuh.

Para ele, a inflação e os juros baixos e praticamente alinhados justificam o apetite do investidor doméstico por IPOs. A Selic está na mínima histórica de 4,25% ao ano e o mercado prevê que pode ir para 3,75% na próxima reunião de política monetária do Banco Central (BC), no dia 18.

Com o baixo rendimento da renda fixa, mais que dobrou o número de CPFs na Bolsa em pouco mais de um ano. De 813 mil em 2018 foi para 1,95 milhão em fevereiro."Quem movimenta o mercado de capitais agora é o brasileiro, enquanto o estrangeiro procura investimentos mais seguros. Ninguém vai fazer o IPO amanhã, porque você está com um mercado sensível, mas não vejo mudança significativa no longo prazo", afirma Pierantoni, da Duff & Phelps.

Segundo Pierantoni, além do coronavírus, a mais recente crise entre o governo de Jair Bolsonaro e o Congresso também preocupa o mercado. "Em um ambiente de coronavírus é ainda mais importante que o Brasil faça as reformas para impulsionar crescimento da economia e, a partir do segundo semestre, o Congresso fica complicado pelas eleições municipais".

No sábado (7), o presidente pediu que a população participe das manifestações do próximo dia 15 que têm como pauta críticas ao Congresso. A ação de Bolsonaro gerou reação de chefes de Poderes. Nos bastidores, os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo, Rodrigo Maia (DEM-RJ), Davi Alcolumbre (DEM-AP) e o ministro Dias Toffoli manifestaram descontentamento e indignação.

"O cenário pode melhorar caso haja um alinhamento de planetas", diz Fakuh do Bradesco BBI em em referência ao Congresso e Presidência.

Apesar da crise, ele também vê interesse de investidores de outros países nos IPOs. "Estrangeiros estão com um trabalho muito extenso para se posicionarem nas ofertas de 2020, pois entendem que empresas brasileiras têm grande potencial. Seguimos com a tese de melhora do país, do aumento de renda", diz.

Em 2020, estrangeiros já sacaram o recorde de R$ 44,8 bilhões da Bolsa. O resultado negativo supera inclusive os resgates realizados durante a crise financeira de 2008.

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