'Guardo a comida no isopor com gelo': moradores do interior do estado sofrem com falta de energia

Queda de energia e falta de atendimento são alguns dos problemas mais recorrentes entre os moradores do interior

Escrito por Lívia Carvalho ,
Legenda: Moradores do interior convivem com a falta de energia constante
Foto: Kid Junior/SVM

Se na Capital cearense os moradores encontram problemas com o fornecimento de energia elétrica, no interior do estado a situação se agrava. O sonho da casa própria do aposentado Francisco Ferreira, de 64 anos, foi frustrado já que desde agosto de 2021, quando se mudou para o imóvel, o local não tem energia.  

Francisco mora em Fortim, município localizado a 135 km de Fortaleza, em um novo bairro da cidade. No local, há pelo menos 30 residências que sofrem com a ausência do serviço. Em tratamento de um câncer, o aposentado relata as dificuldades que passa. 

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Eu tenho que fazer a comida durante o dia, apenas o necessário, pois não tenho como guardar o restante por falta de energia elétrica. À noite, fica totalmente no escuro, sem condições de fazer qualquer coisa, é fechar a porta e esperar o sol raiar no dia seguinte”. 
Francisco Ferreira
aposentado

O filho do aposentado, Shelcon Lima, de 38 anos, conta que a solicitação para implantação de energia já foi realizada desde o ano passado, mas, segundo ele, a Enel afirma que a rua não está de acordo com a planta da prefeitura. 

“Era um terreno fechado, no centro da cidade. A prefeitura abriu e foram feitas as ruas, as pessoas foram construindo, mas não tem iluminação. Há pelo menos umas 30 casas sem energia total. Fizemos a solicitação na ouvidoria da Enel que nos informou que a execução do serviço deve ser feita até junho deste ano”, afirma o filho do aposentado. 

Para conseguir morar sem o serviço básico, Francisco depende de lanternas, lâmpadas solares e velas. “A lâmpada dele até queimou, então tem que se virar com o que tem. Ele mora só”.  

“No caso de alimento, ele só compra o que consome no dia. Guarda a comida em isopor com gelo. Congelado nem pensar. Teve uma chuva forte em março, ele deixou a janela aberta e molhou a televisão, não sabe nem se vai pegar (ligar) ou não”. 

A Enel informa que a solicitação para obra para extensão de rede foi realizada em dezembro de 2021, porém foi suspensa por falta de arruamento do local, serviço de responsabilidade da Prefeitura de Fortim.

"O arruamento e o orçamento da obra foram concluídos e aprovados pela Prefeitura no mês de fevereiro. Após isso, a companhia iniciou o planejamento e a obra iniciará no próximo mês. A Enel esclarece ainda que a obra está dentro do prazo regulamentado". 

A Prefeitura de Fortim confirmou que fez o arruamento há cerca de dois meses e que uma equipe da Enel esteve no local, mas não realizou o serviço porque o terreno estava úmido. A prefeitura informou que o prazo da companhia é de 15 dias para retorno. 

‘Perdemos alimentos, tudo’ 

Morador da zona rural de Itarema, litoral oeste do Ceará, Renan Nascimento, de 18 anos, conta que na comunidade onde mora, as quedas de energia são frequentes principalmente no período chuvoso. Além disso, quando tentam contato com a companhia para regularizar a situação, não conseguem atendimento.  

“No último domingo, por exemplo, faltou por volta de 10 horas. Quando conseguimos ligar, eles falaram que às 15 horas voltava, não voltou. Teve uma segunda tentativa e deram o prazo para as 18 horas, mas também não voltou. A energia só chegou às 8 horas da manhã do dia seguinte”, relata.  

Apesar disso, Renan conta que as faturas dos moradores seguem chegando com valores altos, “como se a energia nunca tivesse caindo”. As quedas, de acordo com ele, ainda trazem prejuízo financeiro.  

Os moradores sempre perdem quase tudo, carnes, congelados, laticínios, fora a água que fica bastante quente. Quando eles vêm até aqui, muitas vezes ajeitam, porém é nítido que precisa dar uma força na energia, pois sempre foi fraca e vive caindo”. 
Renan Nascimento
estudante

Em nota, a Enel informou que vai inaugurar nesta terça-feira (3) a nova subestação de Itarema. "Um equipamento automatizado e moderno com capacidade instalada de 16 MVA. Com um investimento de R$ 11 milhões, a nova estrutura vai absorver, além do município, cargas de Acaraú e Amontada. Essa obra vai melhorar a qualidade do fornecimento e os níveis de tensão para os clientes da região", disse.

Potência baixa 

Os problemas também são relatados por moradores da Região Metropolitana de Fortaleza. A gerente de loja Edna Freitas, de 50 anos, mora em Itaitinga e há seis meses não consegue usar aparelhos eletrodomésticos à noite por conta da baixa potência da energia.  

Muitas casas estão sendo construídas no bairro, o município tem se expandido bastante, mas o fornecimento de energia não tem acompanhado o crescimento. Chego à noite em casa e não consigo usar o micro-ondas, porque a energia é fraca”.  
Edna Freitas
gerente de loja

Além disso, a gerente relata que a falta de energia também é constante no local. “Teve um dia que faltou mais ou menos 17 horas e foi chegar 4 horas da madrugada. Quem tem criança em casa, idoso, ficar sem energia em casa é inviável e isso é constante”.  

De acordo com Edna, os moradores sempre estão tentando contato com a Enel para reclamar da situação e a resposta que obtêm é de que um novo equipamento está sendo providenciado.  

“São pessoas mais humildes, de renda mais baixa, mas são seres humanos que precisam de energia e pagamos, inclusive, muito caro. É uma situação muito difícil, pois não podemos deixar pagar”, acrescenta.  

A concessionária informou, via nota, que vai enviar uma equipe ao bairro para realizar uma inspeção na rede elétrica.

Problemas nos municípios 

Com o maior DEC (Duração Equivalente por Consumidor) do estado, acima inclusive do limite estabelecido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o município de Amontada registra quase que diariamente interrupções no fornecimento do serviço.  

O vice-prefeito Jonas Pinheiro explica que, principalmente nas praias, como Icaraizinho de Amontada, Moitas e Caetanos — famosas entre os turistas brasileiros e estrangeiros —, a quantidade de moradores e de pousadas aumentou, o que faz com que a energia caia quando o fluxo de pessoas é maior.  

No período da tarde, quando as pessoas chegam das praias, a energia cai. Hoje, a maioria das pousadas e hotéis tem um gerador, o que gera poluição para as comunidades locais. É um problema geral”.   
Jonas Pinheiro
vice-prefeito de Amontada

De acordo com Pinheiro, o problema também impacta os pescadores locais, que armazenam a mercadoria em freezer, mas acabam apodrecendo.  

No ano passado, a prefeitura esteve reunida com a Enel Ceará em uma audiência pública na tentativa de resolver a situação. Na ocasião, a concessionária se comprometeu a construir uma subestação entre Itapipoca e Amontada até o fim deste ano para aumentar a capacidade de energia.  

“Os moradores sempre estão nos cobrando nesse aspecto. Não tem uma pessoa que esteja satisfeita com o serviço. Isso acaba prejudicando os pequenos comerciantes locais também, que têm um mercado forte por conta do turismo. Sem energia acaba afastando”, acrescenta.  

De acordo com a Enel, uma nova subestação na Praia da Baleia, no município de Itapipoca, está sendo planejada para ampliar o fornecimento de energia e tem previsão de conclusão até o fim do ano. Além disso, a companhia informou que descargas atmosféricas afetaram a rede elétrica do local. 

"De janeiro até agora, foram registrados mais de 800 raios no município. A empresa realizou também manutenções na rede elétrica da região, como podas de árvores e a instalação de equipamentos telecontrolados, para realizar com mais rapidez a transferência de cargas", acrescentou.  

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