Fortalezenses transformam lazer em negócios na pandemia

Readaptar-se é exigência dos novos tempos e alguns profissionais redescobriram os caminhos durante a pandemia através de antigos ou novos hobbies

Escrito por Cinthia Freitas ,
Legenda: Bordadeiras Hemmili Botelho e Ana Lídia Coutinho descobriram nova profissão durante o isolamento social
Foto: Arquivo Pessoal

Equilibrar planos profissionais, vida financeira e saúde mental em época de pandemia é um desafio, aliviado para quem conseguiu redescobrir os caminhos durante o isolamento. Sem alternativas ou empurradas pela urgência, fortalezenses conseguiram (re)criar seus próprios negócios, transformar um passatempo em profissão, compartilhar conhecimentos e construir pontes para outros profissionais perdidos ou interrompidos pelas circunstâncias da crise sanitária no Ceará. 

A jornalista e bordadeira Ana Lídia Coutinho, 28, passava o primeiro decreto de isolamento social rígido na casa dos pais, após 50 dias de quarentena sozinha em casa, quando experimentou fazer os primeiros bordados após ver publicações do tema na internet, por curiosidade e oferta de tempo. 

“Comecei a ter esse hobby e minha mãe super me incentivou, ela achava legal, eu mostrava para ela e era muito bom. Eu bordava incansavelmente, de deitar e sentir dores nos braços, no pescoço, em tudo”, conta.  

Legenda: Bordado de Ana Lídia Coutinho
Foto: Arquivo Pessoal

O escape num período de sofrimentos físicos e psicológicos decorrentes da pandemia foi se tornando imprescindível na rotina. Com referências da internet e ajuda de tutoriais feitos por uma amiga, Ana Lídia começou a desenvolver o que viria a ser uma segunda fonte de renda.  

“À medida que eu ia vendo que ia dando certo, ia me empolgando cada vez mais e era muito legal isso, um novo universo se abria diante de mim. E quanto mais eu pesquisava, mais testava novos gráficos, ia fazendo coisas diferentes."

"Não sentia isso há muito tempo, essa coisa da novidade, do descobrimento, isso para mim foi mágico. Não conseguia me desligar, acordava pensando nisso, ia dormir pensando nisso, ficava pesquisando novas imagens no Pinterest e novos bordados que eu queria fazer e salvando ideias e desenvolvendo novas ideias”, relembra

Legenda: Bordadeira e jornalista Ana Lídia Coutinho
Foto: Arquivo Pessoal

Investimento e retorno 

Com as duas atividades em paralelo, a jornalista precisou restringir as encomendas de bordado. Mesmo aceitando menos do que a demanda, o ganho já é mais da metade do seu salário. O valor mínimo de um bordado feito por ela é R$ 120. 

“Muitas vezes eu disse para mim mesma 'eu não quero vender, isso aqui é um hobby, é algo que eu tô fazendo para mim mesma, para me cuidar, ocupar minha cabeça', mas fui me interessando real. A verdade é que bordado é uma coisa cara, requer muito investimento. Colocando as contas no papel descobri que já investi mais de R$ 7 mil em tudo, linhas que comprei, tecidos, isso fora muitas compras que nem guardei a nota fiscal”, revela. 

Legenda: Bordadeira e publicitária Hemmili Botelho
Foto: Arquivo Pessoal

O trabalho conta com ajuda da vizinha e também bordadeira, Hemmili Botelho, 27. Formada em Publicidade e Propaganda e atuando com festas infantis há 8 anos, Hemmili é uma das profissionais do segmento de festas que teve o ofício interrompido pelas medidas de suspensão das atividades econômicas. 

Além de bordar, a publicitária montou um pequeno armarinho em casa ao perceber o aumento da demanda por artigos de bordado, e vende itens como linhas, bastidores e ímãs de agulha pela internet, chegando a finalizar o estoque em horas. 

“Sem querer acabei monetizando meu trabalho com bordado e salvando minhas finanças, porque em quarentena não tem festa, consegue imaginar o impacto imenso que meu negócio de festas sofreu depois do início da pandemia, né?"

"Comecei quando encontrei uma queima de estoque de linhas e repassei para algumas amigas bordadeiras do Instagram. Elas ficaram loucas com os preços e até mesmo com a disponibilidade, porque muitas delas não encontram linhas de meada com facilidade em suas cidades. Foi uma porta que se abriu sem eu estar esperando”, comenta.   

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Legenda: Hemmili Botelho bordando em casa
Foto: Arquivo Pessoal

Junção de conhecimentos

A pandemia também afetou o orçamento do engenheiro e chefe de cozinha Victor Gurgel, culminando no fechamento do restaurante Zé Restô, que mantinha no bairro Parque Manibura, em Fortaleza. Como solução, ele também apostou em um hobby, a charcutaria (processos de preparar produtos feitos à base de carne. 

“Tenho um cunhado que a gente, há muito tempo, fez charcutaria uma vez e gostou, aí com o restaurante comecei a desenvolver mais, fazia por hobby. Era um hobby que eu fui lá, estudei, fui atrás de saber como era”, explica. 

Legenda: O chef de cozinha Victor Gurgel passou a investir na charcutaria após restaurante fechar
Foto: Arquivo Pessoal

Sem conseguir adaptar os serviços do restaurante ao delivery, permitido durante o lockdown, o negócio fechou e Gurgel resgatou a atividade da charcutaria, incorporando-a à profissão. 

“Como sou engenheiro, sempre fui voltado para indústria, tinha alguns produtos que lá na casa (restaurante) saíam bastante, que eram produtos de charcutaria, são linguiças, salames, presuntos e tal. Peguei e montei uma pequena indústria, tô no processo de montar, para fornecer para outras pessoas, casa de carnes, outros restaurantes que se deram bem com delivery". 

Em processo de licenciamento da indústria, o chef vende o que produz atualmente apenas para clientes antigos do restaurante.  

Trajeto retraçado

Sócia diretora da Fasi Consultoria, empresa especializada em gestão empresarial e desenvolvimento, Mariana Furtado, 37, teve de reinventar a função por meio das plataformas digitais.

"Todos os treinamentos, recrutamentos, tudo está sendo feito online, serviços de gestão, engajamento. A gente usa a plataforma de acordo com o cliente e tudo teve que se tornar digital. A gente grava vídeo-aulas, treinamento, outros acontecem ao vivo, as mentorias acontecem ao vivo", detalha. 

Ao perceber que vivemos um período que exige a capacidade de retraçar os trajetos, ela montou com a sócia e psicóloga Carla Pinheiro um curso gratuito voltado para mulheres com foco em estruturar negócios, direcionado à venda, gestão, marketing e financeiro.  

Legenda: Curso gratuito Empreender pra Elas voltado para estruturar negócios feitos por mulheres
Foto: Reprodução/ Instagram

“Diante da pandemia, a gente viu muitas mulheres que precisaram empreender por necessidade, porque ficaram desempregadas ou mesmo para complementar a renda da família. Pensamos como uma forma de contribuir socialmente montar um programa voltado para essas mulheres, para profissionalizar o negócio, para que elas pudessem ter mais rentabilidade”, ressalta.   

A primeira turma ainda está andamento, atendendo a 14 empreendedoras. 

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