"Após esta crise, valorizaremos empresas mais solidárias", diz criador do site Não Demita

Daniel Castanho, um dos responsáveis pelo movimento, estima que até 1,5 milhão de vagas serão preservadas, no mercado de trabalho, por conta da iniciativa do site

Escrito por Joana Cunha/Folhapress ,
Legenda: Daniel Castanho sinaliza como o momento é primordial para que as empresas tenham coerência com a responsabilidade social

Lançado no dia 3, o site Não Demita, manifesto que estimula empresas de todos os portes a preservar empregos na crise do coronavírus por ao menos dois meses, já recebeu a adesão de cerca de 3.000 companhias, segundo Daniel Castanho, presidente do conselho de administração da Ânima Educação, um dos responsáveis pelo movimento.

O empresário estima que até 1,5 milhão de vagas serão preservadas pela iniciativa e insta seus pares a cuidar também dos empregos de toda a cadeia, honrando compromissos com seus fornecedores. "Muita empresa fala com orgulho que tem x funcionários diretos e y indiretos", diz.

Castanho afirma que a crise revela quem são as verdadeiras lideranças e diz que ele próprio vai deixar de consumir produtos de quem não tiver responsabilidade social. "Não estou reprimindo ninguém. Quem sou eu para julgar? Mas, se você pode e não faz, para mim, você está sendo indiferente com a situação."

Desde que o Não Demita foi lançado, na sexta (3), quantas empresas já aderiram e qual é o perfil desse empresário? 
DC
- Tem 3.000 empresas, desde as que têm menos de dez funcionários até mais de mil. Temos recebido depoimentos de empresas pequenas, que têm cinco funcionários, falando que, depois que viram, entenderam a responsabilidade de ser um empreendedor e decidiram colocar dinheiro do próprio bolso para manter as vagas. E ao mesmo tempo tem multinacionais, que já estavam com a intenção de entrar, mas ainda esperavam aprovação do conselho no exterior.

Tem uma estimativa de quantos funcionários estão protegidos por esses compromissos de não demitir? 
DC
- Tem grandes, com 40 mil funcionários. A Unilever vai entrar agora, e a SAP. Tem Bradesco, Raia Drogasil. A gente fez um cálculo de quando estava em 2.600 empresas. Sem sombra de dúvida fica entre 1,2 milhão e 1,5 milhão de pessoas.

Quando tudo isso termina? 
DC
- Quando você fica sabendo que uma pessoa que tinha condição de suportar, mas demitiu a faxineira, a cozinheira, o personal, você fala: "Poxa, que sacanagem. E, se a pessoa ainda vira e argumenta que mandou embora porque depois vai ter muita gente querendo trabalhar e vai ser fácil recontratar, todo mundo se sente mal e reprime isso. Eu acredito que as pessoas vão ter essa mesma reação com as empresas. Então, tudo bem se você não tiver condições, se sempre pagou a diarista uma vez por semana porque não dava mesmo, e agora você cortou porque não tem condição. Mas, se você tiver condições, mantenha, porque todo mundo nesta crise está mais solidário e está entendendo que fazemos parte de um grande ecossistema. 

Ao sairmos desta crise, vamos realmente valorizar as empresas que são mais solidárias. É no momento de crise que surgem as grandes lideranças e que você mostra quem você é. Eu acredito que as empresas deveriam fazer isso para evitar um colapso da economia, para contribuir e para retribuir às pessoas que sempre se dedicaram. Tem a imagem institucional.

Quem você é, que valores representa? Isso também será muito valorizado neste momento. Então, quem está demitindo por demitir eu já aboli do meu rol de empresas que eu vou consumir. Não quero mais. Quem está tendo uma postura de demissão, que poderia suportar, mas simplesmente está demitindo porque está querendo preservar os números do próximo trimestre, essas empresas não estão sendo solidárias com o país. Eu não quero mais consumir esse produto.

Isso é uma sugestão de boicote? 
DC
- Não. De jeito nenhum. Estou falando que acredito que, quando você vira e fala: "Aquela empresa tem responsabilidade social, é sustentável, não polui o ambiente", para algumas pessoas, isso é indiferente, e, para outras, é relevante. Não sugiro um boicote a quem não é sustentável. Estou falando que, para mim, tem valor ser sustentável. Se não puder, não estou reprimindo ninguém. Quem sou eu para julgar? Mas, se você pode e não faz, para mim, está sendo indiferente com a situação. O poder e não fazer é indiferença.

O sr. também fala sobre a importância de manter os compromissos com os fornecedores. Há empresas e pessoas que estão com a renda preservada, mas mesmo assim pedem benefícios, como reduzir o contrato do aluguel. O que o sr. acha disso? 
DC
- Se você mantém os seus funcionários, mas não honra os seus contratos, você está demitindo de maneira indireta. Muita empresa fala com orgulho que tem x funcionários diretos e y indiretos: "Eu sou um gerador de empregos, sou uma pessoa que ajuda a economia, a minha empresa é isso e aquilo". 

Muita gente fala com o peito estufado, não só do tamanho de sua empresa mas também da cadeia, dos empregos gerados de maneira indireta. Agora, não dá para você simplesmente assumir um compromisso de não demitir os funcionários diretos, mas, de alguma maneira, proporcionar a demissão em massa dos funcionários indiretos, daqueles de que você sempre se orgulhou de serem responsáveis ou de fazer parte do seu rol de impacto na sociedade.

Chegou o momento de as pessoas aceitarem que isto aqui é uma crise em larga escala, em que todos perdem?
DC
- É o momento de entender que você pode ter um impacto financeiro. Não esconda dos seus funcionários, traga para mostrar a realidade e abra a possibilidade de criar e discutir junto. E é legítimo fazer isso porque até poucos meses atrás você era um excelente líder. Não foi culpa sua. Não é má liderança ou incompetência que gerou isso. É uma situação externa. É genuíno você chamar seu time para reconstruir. É transparência. Você tem credibilidade para trazer todo o mundo para você se reinventar. Vamos começar a ver outras oportunidades que vão surgir. Tem gente que está se reinventando, que transformou o negócio, que vai olhar por outro ângulo.

Como é esse olhar para o futuro? 
DC
- Acredito que, quando se trabalha a distância, aquelas empresas que trabalham com comando e controle vão deixar de existir. É com empoderamento, atitude, confiança. Você não vai ter mais funcionário. Todo o mundo vai ser sócio. Encare todo o mundo como sócio. Você vai ter uma reunião transparente e vai falar: "O que nós podemos fazer?". Eu tenho certeza de que vão acontecer coisas que você nem imaginou.

No home office é mais difícil fazer esse controle, está acontecendo uma transformação do trabalho e ela deveria vir acompanhada de nova legislação? 
DC
- Neste momento, acho que o redesenho da estrutura de governança, de relações de trabalho, e o novo conceito de lugar de espaço e tempo vão ajudar a redefinir essas relações trabalhistas.

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