A artesã que virou empresária

Escrito por Redação ,
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Foto: Neysla Rocha

O mercado interno brasileiro guarda excelente potencial de crescimento para a confecção, sobretudo para o segmento do artesanato cearense, independente da grande janela aberta pela globalização da economia, através da exportação. A avaliação é da artesã e empresária cearense, Ethel Whitehurst, uma das primeiras mulheres cearenses a exportar artesanato no País. No ramo há 32 anos, Ethel ensina que, independente do horizonte que se busque, criatividade, qualidade, competitividade e, principalmente, organização são ferramentas essenciais para o sucesso de quaisquer negócios. “No artesanato não é diferente”, defende. Em entrevista ao Diário do Nordeste, Ethel destaca o potencial do artesanato nos mercados interno e externo, fala da situação atual do artesão cearense e dos projetos para o futuro. Num contraponto entre presente e passado, Ethel lembra os primeiros ensaios, cortes e desenhos, ainda na casa da mãe, Yara Whitehurst. “Meu primeiro cliente lojista foi a Casa Parente, e a primeira exportação — 20 blusas — foi feita para os Estados Unidos, há 28 anos”, relembra.

Diário do Nordeste - Como começou a sua relação com o artesanato e quando decidiu ser empresária?

Ethel Whitehurst - Comecei a trabalhar com bordado e confecções vai fazer 32 anos, com apoio da minha mãe. Comecei como artesã, por necessidade de acrescentar renda à família. Iniciei produzindo blusas em casa e meu primeiro cliente lojista foi a Casa Parente. Quando a representante da loja foi lá em casa, ela perguntou se eu fazia vestidos para gestante. Eu não fazia, mas disse que sim. A partir daí, percebi que tinha de fazer e acompanhar o que os clientes exigiam. Logo que as encomendas foram crescendo, percebi a necessidade de ter ajudantes, uma, duas, três. Hoje, passados 32 anos, contamos com 60 empregados na fábrica, no Jacarecanga, e seis nas duas lojas da Monsenhor Tabosa, além de trabalhar em parceria com 960 artesãos de vários municípios cearenses. Hoje, todos os bordados, renda e labirinto são feitos no Interior. Tudo com controle de qualidade e obedecendo o que os clientes desejam. Depois de prontas, as peças são comercializadas nas lojas em Fortaleza e exportadas para vários países, como os Estados Unidos, Panamá, Portugal, Itália e quase todos os Estados brasileiros.

— O que é mais difícil, produzir ou comercializar?

Ethel - Eu sempre digo que é mais difícil produzir do que comercializar, porque quando vamos a uma feira, a nossa preocupação é não vender mais do que o artesão tem condições de produzir. Na última feira que participei, uma empresa, com nove lojas, me pediu 960 peças por mês, mas o artesão só tinha condições de produzir 120 peças.

— A confecção é uma das principais vocações da economia cearense. Na sua avaliação, o setor já atingiu o seu ponto máximo de crescimento ou ainda há espaço para a expansão dos negócios?

Ethel - Há muito espaço para a confecção e para o artesanato crescerem, principalmente o do Ceará, porque a procura é muito maior do que a oferta; o mercado é mais comprador do que produtor. Na minha experiência como artesã, especificamente, a preocupação maior não é com a venda. Mercado tem. Agora, as pessoas têm que se preocupar em produzir com qualidade, porque se você organiza uma produção, adequada ao que o mercado exige, ao que o cliente exige, você vende.

Devemos lembrar também que a cada dia o cliente fica mais exigente em relação à qualidade, a preços, por conta da concorrência da China, Índia e Vietnã. O artesanato, hoje, não é mais apenas do Brasil, você vai a São Paulo e até mesmo no Ceará, nas lojas de magazine, nós vemos produtos feitos na China. Por isso temos que estar atentos à concorrência.

— Quais os cuidados na venda que devem ser observados?

Ethel - Cumprir o pedido é fundamental, principalmente se for para o mercado externo, que é muito exigente com o prazo de entrega, com a qualidade do produto, com a documentação, com tudo. O cliente externo não quer comprar a produção de apenas um artesão, não quer 10 peças, ele quer comprar em quantidade. Por isso temos que ter produção, com qualidade e preço. E isso só pode ser feito através de uma associação, porque é muito difícil para o artesão exportar sozinho.

— Como avalia o desempenho do setor, em 2004? Pode-se dizer que o parque confeccionista cearense acompanhou o ritmo de crescimento da economia nacional, que experimentou bons momentos durante o ano?

Ethel - Pela experiência vivenciada na nossa empresa, podemos dizer que o ano foi bom, devido ao apoio que, hoje, ao contrário de outros tempos, vem sendo dado ao setor, pelo Sebrae e pelo Banco do Nordeste. Tivemos muitos cursos de capacitação da Fiec, do Senac, do próprio Estado e de prefeituras. Agora, acredito que precisamos de um projeto de base, que capacite o artesão não apenas para comercializar, mas que o apóie desde a compra do insumo e da matéria-prima até a comercialização, para que tenha preço e condições de competir.

— O comércio exterior é, mesmo, a melhor aposta para a confecção “made in” Ceará ou o mercado consumidor interno também oferece boas possibilidades?

Ethel - Exportar é muito bom. Eu quero muito ver os artesãos do Ceará e de outros Estados exportando bastante, mas o mercado interno é ainda tão comprador, que acho que devemos apostar mais no mercado interno. Porque isso vai servir de experiência, de aprendizagem sobre as formas de atuar com o cliente. Para que se preocupar com exportação, se o mercado interno está desabastecido. Tudo que você oferecer de bom e com preço, você vende.

— Numa comparação com o setor confeccionista nacional, quais são as vantagens e desvantagens do parque local?

Ethel - As desvantagens estão na compra da matéria-prima, porque a maioria das empresas fornecedoras estão localizadas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Então quando colocamos o frete e o imposto, que é algo importante a ser considerado, levamos algumas desvantagens. O fato é que nós pagamos o imposto do artesanato, ou seja da mão de obra do artesão. Por exemplo, numa peça em que gasto R$ 2,00, com linha e mais R$ 2,00, com tecido, eu despendo R$ 8,00 de mão-de-obra e pago imposto sobre o valor total, agregado, de R$ 12,00. Nós pagamos, portanto, o imposto sobre o valor total da peça pronta. E isso deve ser estudado. Esse é um disparate que ocorre no artesanato, onde o valor da mão-de-obra é muito maior do que dos insumos. Diferente do que acontece na confecção, onde essa relação é inversa.

— O que representa o artesanato na economia cearense?

Ethel - Mais do que oportunidade de negócio, a renda de bilro, o crochê, o filé, o labirinto, o artesanato é um caminho; uma opção para transformar a realidade econômica e social de Fortaleza e do Interior cearense. Mais do que treinarmos novos artesãos, precisamos organizar e capacitar os já existentes, em grupos e cooperativas, dando-lhes condições de produzir e mensurar o valor da riqueza que produzem.

— Qual a situação atual do artesão de Fortaleza?

Ethel - Pelo que venho escutando dos artesãos, os de Fortaleza estão se sentindo muito abandonados, porque no espaço existente hoje na cidade, que é a Ceart (Central de Artesanato Luiza Távora), eles têm muito pouco acesso, além de faltar espaço físico mesmo. A nossa idéia — que vamos passar para a nova prefeita — é a criação de um espaço apenas para o artesão de Fortaleza. Outra idéia é a descentralizar o artesanato da Beira-Mar, que já está muito sufocada. Pensei na Barra do Ceará, na Praia de Iracema, no Conjunto Santa Terezinha — que são espaços turísticos que podem ser melhor aproveitados.

Na Serrinha, nas Goiabeiras, perto da Barra do Ceará, no Morro de Santa Terezinha, têm artesãos. Na periferia, até em favelas, encontramos grupos que podem ser trabalhados e recuperados para comercializar. O que falta para eles é um empurrão.

— Diante da atual conjuntura econômica, suas projeções para 2005 são otimistas?

Ethel - Acredito que este ano vai haver uma parceria muito grande entre o BNB, o Sebrae, e as prefeituras para a realização de um trabalho muito bom no setor de artesanato, a exemplo do que fazemos há um ano em Guaiúba. Lá já existe uma escola para capacitação dos artesãos e estão montando um novo espaço para eles comercializarem o próprio artesanato. Mais de 300 artesãos já foram capacitados. Vamos montar um núcleo de produção com a Prefeitura, com produtos exclusivos para exportação. Nesse setor, as parcerias com as prefeituras são muito importantes.

— Quais são os seus planos para o futuro? Neles, está incluída a expansão do seu negócio?

Ethel - Além de continuar mantendo as lojas, que são a vitrine do meu negócio e a nossa fábrica, pretendo incrementar o trabalho de consultoria, iniciado em 1998, quando eu comecei a me dedicar a grupos de produção no Interior, a convite da primeira-dama, Renata Jereissati. Agora com mais experiência e conhecimento da realidade e dos problemas dos grupos de artesãos, das associações no interior, pretendo com a minha filha Kelly — que trabalha na área social — iniciar projetos de parceria com prefeituras. A proposta é implantarmos centros e escolas de capacitação.

— A senhora é uma referência de mulher de negócio bem sucedida. Mas no começo de sua carreira, houve obstáculos de ordem cultural — como a velha premissa de que “lugar de mulher é comandando a casa”?

Ethel - Na minha casa, na minha loja, eu nunca tive nenhum problema. As dificuldades decorrentes de ser mulher, ocorriam na hora de ter de viajar, de participar de feiras. Em geral, os estandes eram todos formados por homens e haviam pouquíssimas mulheres presentes nas reuniões. Hoje já está tudo mudado, com as mulheres ocupando cada vez mais seus espaços.

Carlos Eugênio
Da Editoria de Economia


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