Primeiro-ministro da Itália, Giuseppe Conte renuncia ao cargo

Partidos que davam sustentação ao governo tiraram seu apoio; depois da formalização da renúncia serão convocadas novas eleições

Escrito por AFP ,
Legenda: "A crise atual compromete a ação deste governo, que termina aqui", disse ex-premier em discurso
Foto: AFP

O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, anunciou hoje (20) sua renúncia e o fim do primeiro governo populista, acusando o líder da Liga, Matteo Salvini, de ser "irresponsável" ao romper a coalizão governamental em 8 de agosto.

"Este governo acabou. Apresentarei minha renúncia ao presidente da República, Sergio Mattarella", declarou, em um discurso solene no Senado, em tom enérgico, claro e direto, interrompido por aplausos e por gritos de protesto.

No pronunciamento, Conte criticou seu ministro do Interior. Segundo ele, Salvini "perseguiu apenas seus próprios interesses e os interesses de seu partido", ao tentar tirar proveito das pesquisas que lhes davam uma grande maioria no parlamento, na sequência dos resultados recordes nas eleições europeias (34%).

"Fazer os cidadãos votar é a essência da democracia, mas pedir a eles que votem todos os anos é irresponsável", disse Conte, que também chamou o político de extrema direita de "oportunista".

"O país precisa urgentemente de medidas para promover o crescimento econômico e o investimento", completou.

"Estou interrompendo aqui essa experiência de governo. Pretendo concluir essa passagem institucional de maneira coerente. Irei ver o presidente da República para apresentar minha renúncia", afirmou Conte, ressaltando que antes pretende ouvir o debate programado para durar 3h45.

Em seu discurso contra Salvini, Conte acusou o vice-primeiro-ministro de causar "sérios riscos ao nosso país" e evocou o perigo de uma espiral econômica negativa para a terceira economia da zona do euro.

Ele também acusou o líder da Liga (extrema direita) de "falta de respeito pelas regras e instituições", repreendendo-o por exigir eleições o mais rápido possível para obter "plenos poderes".

"Caro ministro do Interior, ouvi você pedir 'plenos poderes' e apelar para que seus apoiadores saiam às ruas para apoiá-lo, essa atitude me preocupa", acrescentou Conte.

"Não precisamos de plenos poderes, mas de líderes com o senso de responsabilidade e de instituições", disse ele.

Tendo chegado à chefia do país depois de uma marcha fascista em Roma, o ditador Benito Mussolini obteve em 1922 "plenos poderes" para dirigir a Itália como desejava durante o ano seguinte.

Também acusou o agora ex-aliado de sempre ter remado contra do governo pactuado entre a Liga e o antissistema Movimento 5 Estrelas.

"Em muitas ocasiões, invadiu o campo de outros ministros, criticou-os e rompeu a união da equipe de governo", resumiu o primeiro-ministro.

"As crises não se acertam nas praças, mas no Parlamento, segundo nosso sistema político", ensinou Conte.

Salvini não se arrepende

Ainda no cargo de ministro do Interior, Salvini respondeu com um discurso em tom de propaganda, falando na bancada do partido. Foi várias vezes interrompido.

"Não me arrependo de nada", declarou, após gritar que representa "um povo soberano", que "não teme nada" e é "livre". Provocou a irritação de boa parte do senadores.

"Há semanas, creio que meses, já pensavam em mudar a aliança", rebateu Salvini, denunciando a possibilidade de que nasça um novo governo com outra coalizão, desta vez entre o M5E e o Partido Democrático.

A crise desencadeada não apenas gerou preocupação pela estabilidade econômica, como também acabou aproximando duas legendas até então rivais. Esta aliança pode conter o impressionante avanço de Salvini e de sua política de extrema direita.

"Temem perder as cadeiras com eleições antecipadas", reagiu com seu habitual tom arrogante, no qual insistiu em oferecer um "governo forte" a seus aliados e pediu, como de costume, a proteção da Virgem Maria e de São João Paulo II, com um terço nas mãos.

A renúncia de Conte, um advogado sem experiência política, abre uma fase delicada, marcada pelas negociações.

"Conte, a Itália te ama", dizia um cartaz na frente do Parlamento, pouco antes de sua chegada nesta terça.

Em uma carta aberta, o ex-advogado próximo à esquerda esclareceu sua posição, contrariando a política anti-imigração de Salvini e o fechamento de portos para navios humanitários.

"Conte é uma pérola rara que a Itália não pode perder", escreveu no Facebook o líder do M5E, Luigi Di Maio.

"Em dez dias ele deixou de ser o Sr. Ninguém para ser o Senhor Conte", disse à AFP o analista italiano Aldo Garzia.

Agora, o presidente Mattarella deverá explorar as possíveis saídas para a crise, fazendo consultas às forças políticas, e não se descarta que convide Conte para formar um novo governo com outros aliados.

"O problema são as bases dos dois partidos, em alguns casos hostis", escreveu Luca De Carolis, do Fatto Quotidiano, que acompanha o M5E desde sua fundação.