Para não rachar, Europa adia discutir dívida e aprova pacote de emergência

Foi aprovado um pacote de 500 bilhões de euros para prevenir e combater danos econômicos no continente

Escrito por Redação ,
Legenda: Apesar de terem chegado a acordo sobre pacote de incentivo, países do bloco não se entenderam sobre dívida comum
Foto: Foto: AFP

Os ministros das Finanças europeus jogaram para o futuro um debate que vinha rachando a União Europeia e aprovaram um pacote de 500 bilhões de euros (cerca de R$ 2,9 trilhões) para prevenir e combater danos econômicos durante a pandemia de coronavírus. A proposta, apresentada na noite desta quinta (9), inclui três "redes de proteção", na definição do português Mario Centeno, presidente do Eurogrupo: uma para empregos, uma para pequenas e médias empresas e outra para reforçar o sistema de saúde e combater impactos diretos e indiretos da pandemia.

Um plano mais ambicioso para financiar a recuperação econômica depois que a pandemia estiver contida deverá ficar para uma segunda etapa, disse Centeno. Com isso, os ministros contornaram a polêmica proposta de uma emissão conjunta de dívida (títulos apelidados de coronabonds), que levou a um impasse a reunião dos líderes dos 27 países no dia 26 de março.

A polarização entre países defensores dos coronabonds e seus opositores elevou o tom das declarações nos últimos dias e colocou em questão até a sobrevivência do bloco. Horas antes da reunião dos ministros, o premiê italiano, Giuseppe Conte, que lidera o grupo a favor da dívida mútua, falou em "risco real" de um colapso da UE: "Se nossa resposta não for forte e unificada para o maior desafio desde a Segunda Guerra Mundial, com certeza italianos e europeus ficarão profundamente decepcionados".

No bloco oposto, a Holanda tem sido o principal porta-voz de países que relutam em endossar débitos de vizinhos com déficits em suas públicas, com um argumento que lembra a fábula "A Cigarra e a Formiga": os que "trabalharam duro no verão" não acham justo acolher no inverno quem não fez a lição de casa. Com superávits nas contas, Holanda, Alemanha e Áustria relutam em participar da mesma dívida de quem gastou mais do que arrecadou, como Espanha, Itália e França. Foi esse o princípio da Alemanha ao impor austeridade depois da crise de 2008-2009. Mas há duas diferenças importantes entre as duas crises.

A primeira é que não dá mais para dizer que países com déficit estão sendo displicentes. Espanha, Grécia e Portugal fizeram ajustes duríssimos nos últimos anos, e os dois últimos saíram do vermelho: a Grécia em 2016 e Portugal em 2019. Outra distinção é a natureza da crise. A da década passada era financeira, que pesa mais para quem não tem as contas públicas em dia.

A atual foi provocada por uma emergência de saúde que veio de fora e atingiu a todos os países indiscriminadamente. Ou, nas palavras de Mário Centeno, "totalmente exógena e simétrica", o que justifica um esforço conjunto.

Pacote

O acordo no plano de curto prazo foi costurado pelos principais representantes dos dois blocos (França, Alemanha, Itália, Holanda e Espanha) antes do início da reunião de ministros. O texto propõe um fundo de até 200 bilhões de euros (cerca de R$ 1,16 trilhão) do Banco Europeu de Investimento para empréstimos a empresas atingidas pela pandemia, principalmente pequenas e médias.

A segunda "rede de proteção" permite que qualquer país da zona do euro recorra a uma linha de crédito do fundo chamado Mecanismo de Estabilização Europeu (MEE), no valor de até 2% de seu PIB. Os recursos, estimados em 200 bilhões de euros, devem estar disponíveis em duas semanas. A única exigência é que o dinheiro seja usado para reforçar o sistema público de saúde ou combater danos diretos ou indiretos provocado pela doença. Os países devem se comprometer em manter as finanças sob controle após o término da crise do coronavírus.

O terceiro braço do pacote de curto prazo foi a aprovação de uma proposta feita na semana passada pela Comissão Europeia, batizada de Sure (certo, seguro em inglês, sigla para "trabalho sustentado pelo Estado no curto prazo").

Pelo esquema, a UE levantará um empréstimo de 100 bilhões de euros (R$ 5,8 bilhões) e repassará o dinheiro a países que vejam vantagem nessa forma de financiar ações de prevenção ao desemprego. Desde que começou a pandemia, os membros do bloco já criaram programas em que o Estado banca parte do salário de trabalhadores suspensos temporariamente.

Para funcionar, o Sure requer uma garantia no total de 25 bilhões de euros (R$ 142 bilhões), arrecadada entre os 27 países de acordo com o tamanho de suas economias: quanto maior o PIB, maior a contribuição. Na linha "solidária" que vem sendo reforçada pela União Europeia, os mais ricos contribuirão mais, e os 16 mais pobres usarão o crédito –a Comissão calcula que 11 países já conseguem se financiar no mercado em condições mais favoráveis.

Segundo Centeno, os ministros começarão a discutir uma proposta para "reconstruir" a economia, deprimida pelas medidas de isolamento tomadas para barrar a transmissão. A discussão sobre coronabonds, porém, ficará para os chefes de governo, que se reúnem na semana que vem. "O fundo de reconstrução reunirá a força financeira da Europa", disse Centeno, mas de onde virá essa força ainda é questão em aberto: "Alguns Estados membros expressaram a opinião de que isso deve ser feito por instrumentos de dívida comum. Outros preferem formas alternativas".

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