Como a queda do Muro de Berlim continua influenciando o mundo

Segundo especialistas, o símbolo do fim da Guerra Fria entre Estados Unidos e a extinta União Soviética representou também o surgimento de um novo sistema político e frustrou expectativas de uma maior estabilidade global

Escrito por Luana Barros ,

Era noite do dia 9 de novembro de 1989 quando foi anunciado a abertura do muro que separava Berlim. A construção de 160 quilômetros de extensão era a representação física da divisão do mundo em dois blocos: o capitalista, liderado pelos Estados Unidos (EUA), e o socialista, encabeçado pela extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

A abertura dos postos fronteiriços foi seguida pela destruição a marteladas da construção que dividia Berlim, os alemães e o mundo. A queda do Muro de Berlim, portanto, é considerada o marco do fim da Guerra Fria, nome pelo qual ficou conhecido o embate entre os EUA e a URSS.

Após a queda, houve a derrubada, em sequência, dos regimes socialistas na Europa do lado oriental. "O ponto em comum em todas as análises sobre a queda do Muro de Berlim é a de que ela representou um símbolo de transformação do sistema internacional. Uma mudança na forma de organizar as relações internacionais e de saber quem são os novos atores de destaque", explica o professor de Relações Internacionais do Ibmec/SP, Marcelo Suano.

Professor de História Contemporânea na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Flaviano Isolan considera que esta "nova ordem mundial", como caracteriza, é fundada no triunfo dos países capitalistas e da sua tentativa de dominação da geopolítica mundial. "Então, foi o símbolo de uma queda política concreta, (mas) também de novas ideologias que tentaram ser implantadas", considera.

A década de 1990 presenciou, então, a ascensão dos governos neoliberais, em uma integração cada vez mais efetiva das economias ao redor do mundo. Ao mesmo tempo em que os países do antigo bloco capitalista disseminavam seus princípios ideológicos e culturais por outros países, no que Isolan chama de "ocidentali-zação do globo".

"Foi uma tentativa de impor seus valores em termos políticos, econômicos e ideológicos propagando uma certa estabilidade nessa nova ordem. Na prática, grandes e pequenas desordens acabaram acontecendo", explica Isolan. A falência de governos neoliberais e a substituição destes por governos de viés mais populistas, assim como com preocupações sociais mais marcadas, começam a marcar as falhas desta tentativa.

"A ideia otimista de que o mundo viveria uma fase de prosperidade social terminou não acontecendo. Hoje, nós temos muito mais riqueza em virtude dos avanços tecnológi-cos. Mas esse incremento da riqueza não foi compartilhado por boa parte da população global", afirma o professor de História Contemporânea da Universidade de Brasília, Virgílio Arraes.

Poderio

Três décadas passaram desde a noite do dia 9 de novembro de 1989. Contudo, se das ruínas do Muro de Berlim tentou-se construir esta nova ordem mundial, o presente indica a frustração das expectativas, criadas ainda sob efeito do momento histórico, de uma maior estabilidade nas relações entre os países.

"A pergunta que se faz ainda hoje: Quem é que manda no mundo a ponto de dizer que nós temos um sistema internacional configurado?", indaga Suano. Apesar dos Estados Unidos terem grande preponderância no cenário internacional, continua ele, o país não tem força para impor sozinho este novo sistema.

Contudo, a expectativa de uma governança global, como caracteriza Suano, em que diferentes atores internacionais - fossem Estados, Organizações Não Governamentais internacionais ou mesmo empresas transnacionais - tomariam as decisões por meio de fóruns internacionais e estabelecimento de tratados e acordos, foi frustrada.

Instabilidade

O atentado no dia 11 de setembro de 2001, no qual aviões se chocaram às torres do World Trade Center, em Nova York, foi o motivo alegado pelos EUA e por outros países para a tomada de decisões cada vez mais unilateral, respeitando pouco ou nada os acordos firmados internacionalmente. Se o diálogo entre nações continua em constante expansão por meio dos avanços comunicacionais, é o tom desses discursos que preocupa.

"Não tem mais como impedir o diálogo. Mas, com os países utilizando cada vez mais justificativas para decisões unilaterais, o diálogo ocorrerá, mas será de grito. Quanto mais inserido o país estiver na economia mundial, mais será necessário aturar o grito. O problema é qual o limite desse grito", aponta Suano.

A tensão crescente nestas relações tem relação direta com um mundo que "ainda vive sobre as ruínas desse fim da Guerra Fria e dessa tentativa de imposição do sistema atual, da sua ideologia e das crises que ele gera", afirma Isolan. Antes a divisão do mundo nos blocos capitalistas e socialistas garantia um nível de estabilidade global. A queda do Muro de Berlim, entretanto, iniciou um tempo em que os conflitos se diversificaram.

Se antes o embate era ideológico, entre o leste socialista e o oeste capitalista, agora os conflitos têm motivações étnicas, nacionalistas ou mesmo migratórias, com o grande fluxo de refugiados à Europa, por exemplo. "Se o Muro de Berlim caiu, hoje vários outros muros são levantados. Várias outras questões e conflitos são regionalizados, dentro de um contexto de instabilidade", ressalta Isolan.

Contudo, estas questões não estão mais relacionadas ao embate entre dois sistemas políticos distintos, completa Arraes. "Não são os EUA reclamando ou se isolando de um México, por exemplo, com outro rumo político, mas já em função dessa desigualdade econômica", exemplifica .

Trinta anos depois, pelo menos 71 novos Muros, ou seja estruturas presas ao solo que não se pode cruzar, existem ao redor do mundo, em "uma redução das liberdades democráticas no mundo todo", ressalta.