Universidades: mais alunos com deficiência, mas falta adaptação

O número de matrículas aumenta no Ceará, sobretudo, após a inclusão de pessoas com deficiência na Lei de Cotas. Mas, a garantia de suporte para permanência tem falhas. Em alguns casos, as lacunas são alvo de ação judicial

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
Legenda: Henrique Sousa, ingressou no IFCE este ano e tem se sentido prejudicado pela carência de intérpretes de Libras
Foto: Foto: Helene Santos

O percurso nos anos de escola já não foi lá tão fácil. Dificilmente a trajetória estudantil de pessoas com deficiência não é, em algum momento, marcada por obstáculos. Mas, apesar das dificuldades, a habilidade dos alunos e a garantia do suporte necessário nessa formação tem, sobretudo nos últimos anos, assegurado ampliação dos ingressos desse público no ensino superior. Mas chegando lá, o que essa parte da população tem encontrado? No Ceará, conhecimento e chances, mas também necessidade de adaptação das estruturas para que o ambiente de aprendizado seja o mais inclusivo possível.

Em 2019, segundo dados repassados pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), havia, pelo menos, 680 estudantes com deficiência matriculados nessas instituições, sendo 342, 154 e 184 respectivamente. Na Uece há predominância é de alunos cegos, com 100 matrículas. Na UFC, de estudantes com deficiência física com 177 matrículas e no IFCE também 53 alunos autodeclarados nessa condição. Em 2018, o número de estudantes com deficiência na UFC e no IFCE era inferior. Em 2019, a UFC tinha 282 alunos com deficiência e passou para 342 em 2019. Já o IFCE saiu de 109 para 184 no mesmo período.

Esse mês, episódios evidenciados no IFCE, no campus de Fortaleza, demonstraram mais uma vez as dificuldades no processo de inclusão. Um grupo de estudantes acionou o Ministério Público Federal (MPF), no dia 4, devido ao número insuficiente de intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras) nas salas de aula para auxiliar alunos surdos. Conforme os estudantes, quatro pessoas de cursos distintos carecem de intérprete nas aulas no campus de Fortaleza. Contudo, há apenas dois profissionais que se revezam para atender a instituição.

O MPF acolheu a representação registrada formalmente pela Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos e quinta-feira (12) expediu um ofício para a reitoria do IFCE dando um prazo de 10 dias para que a instituição se manifeste sobre a situação denunciada. O estudante do curso de Guia de Turismo, Weverson Valdivino Saboia, que é surdo e está no 2º semestre, é um dos prejudicados. Ele alega que "os dois intérpretes do IFCE estão sobrecarregados e não conseguem atender todas as demandas". Além disso, relata que em seu curso há muitas viagens técnicas e que, muitas vezes, não tem o acompanhamento necessário.

"Essas visitas técnicas são obrigatórias pra minha formação de guia. Além disso, também faço outras atividades aqui (no IFCE) como natação e não compreendo o que a professora diz. Sinto meus direitos de estudante serem cerceados devido à falta de acessibilidade", conta.

Para o caso da questão do esforço físico, a coordenadora do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas (NAPNE) do IFCE, Lucineide Penha Torres de Freitas e a vice-coordenadora do NAPNE, Nádia Maria, reconhecem que os intérpretes estão em regime de trabalho extenuante, visto que no campus Fortaleza há apenas dois servidores tradutores intérpretes de Libras atuando nos cursos de Artes Visuais (matutino), Licenciatura em Matemática (vespertino) e Guia de Turismo (noturno), dentro de sua carga de 8 horas diárias.

De acordo com elas, o tempo de dedicação à interpretação das aulas é tão excessivo que não há possibilidade dos intérpretes se dedicarem aos estudos prévios necessários para o bom desempenho da função. Explicam que quando um dos servidores precisa se ausentar por motivo de doença, não há como o único que ficou atender a demanda.

Cotas

Elas avaliam que após a alteração da Lei de Cotas, 12.711/2012, pela Lei 13.409/2016 - que incluiu pessoas com deficiência na ação de reserva de vagas, houve crescimento significativo do número de estudantes com deficiência inscritos e matriculados na instituição. Dentre as ações desenvolvidas pela instituição, as representantes do NAPNE apontam que há dois intérpretes na Capital e "no IFCE como um todo há apenas 14 intérpretes de Libras para atender os 34 campi". Além disso, o campus Fortaleza é o único no Ceará que tem o profissional Transcritor do Sistema Braille, segundo o IFCE. O NAPNE/Fortaleza possui, dentre outros equipamentos, impressoras em Braille, lupas, software de leitor de voz e scanner de voz.

Na Uece, o pró-reitor de Planejamento e presidente da Comissão Permanente de Acessibilidade e Mobilidade das Pessoas com Deficiência (CPAcesso), Fernando Antonio dos Santos, explica que, antes da lei das cotas, a universidade já vinha trabalhando para garantir um ambiente mais inclusivo. "Não é por decreto, por lei, que se cria condições. Mas temos obrigação de criar condições para que essas pessoas se sintam acolhidas. As pessoas não podem ser privada disso. Temos que ter pessoas para dar suporte", reforça.

Dentre as iniciativas implantadas, a instituição conta com dois intérpretes de Libras no Núcleo de Libras e dois bolsistas/intérpretes. Além disso, está em processo de contratação de audiodescritores. Segundo a universidade, está prevista ainda a implantação de desktops com programas leitores de telas nas bibliotecas dos diversos campi da universidade, tanto da Capital, como do interior.

Na UFC, conforme a secretária de Acessibilidade, Fernanda Cláudia Araújo da Silva, dentre outras coisas, há uma divisão específica na Secretaria de Acessibilidade para atender aos alunos surdos em cada de aula e em eventos da UFC e as bibliotecas estão preparadas para atender alunos com deficiência visual. De acordo com ela, "a Divisão de Apoio Pedagógico da Secretaria dá suporte a alunos e professores na manutenção e instrumentalização de mecanismos inclusivos além contar com a colaboração da Divisão de Tecnologia Assistiva para o suporte das tecnológica assistivas às unidades acadêmicas, inclusive nos campus do interior do Estado".

Demandas

O representante do MPF, procurador da República, Rafael Rayol, reforça que todos os alunos com deficiência têm o direito constitucional ao acesso amplo à Educação. Em 2019, a carência de intérprete no IFCE de Juazeiro do Norte virou alvo de ação judicial. Sem especificar números, ele, diz que demandas relativas a cobranças por intérprete de Libras, bem como outros recursos como material para leitura de braile, tem "aparecido com alguma frequência" no MPF.

"As instituições conseguem, algumas vezes, resolver os problema e tentam fazer adaptações. Mas notamos que as restrições orçamentárias dos últimos anos acabam culminando nesse problema. E não há verbas para que contratem profissionais", conta ele. Nesse caso, explica, o MPF tenta resolver da forma administrativa. Quando não consegue, entra com ação judicial para que a União faça a complementação necessária de recursos para garantir acessibilidade e medidas de inclusão nas salas de aula.

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