Um novo olhar

Escrito por Luã Diógenes , metro@svm.com.br
Legenda: A nossa Fortaleza de prédios, avenidas, brisa e mar busca uma nova configuração no decorrer desses mais de 80 dias de pandemia
Foto: Gustavo Pellizzon

Mais um nascer do Sol na capital cearense. A nossa Fortaleza de prédios, avenidas, brisa e mar busca uma nova configuração no decorrer desses mais de oitenta dias nos quais fomos surpreendidos por essa doença que insiste em desviar os rumos de nossas vidas. Aos poucos, a cidade tenta iniciar um "novo normal", mesmo que este ainda pareça meio distante da realidade.

As sirenes que feriam meus ouvidos quando passavam na Avenida Treze de Maio, onde eu moro, hoje parecem mais silenciosas, menos frequentes, o que também é um respiro ao meu coração aflito e ansioso por mudanças. Aliás, o que mais tenho aprendido no decorrer dessas semanas é adaptar-me à imprecisa rotina sem planos, vivendo um dia por vez.

Tudo mudou. Seja a forma de trabalho, a maneira de se confraternizar com os amigos, de transitar nas ruas, e até mesmo de se vestir. Um novo olhar termina por se configurar diante de todo o caos, a começar pelo ato de sorrir, já que agora os olhos carregam o dever de demonstrar o sentimento, pois os lábios cobertos por máscaras mal exercessem seu dever.

Olho a cidade da varanda do meu apartamento e me vem o trecho da música do Belchior: "tenho pressa de viver". Quero saborear o gosto do sal das águas de Iracema, ver as jangadas nos fins de tarde do Mucuripe, vivenciar as noites nos bares da Rua dos Tabajaras ou até mesmo a comunhão dominical nas missas da tão querida Igreja de Fátima. Porém, esse mesmo olhar me exige paciência e vai mostrando que todos esses elementos habitam em minha memória e vivem dentro de mim.

Nesses tempos difíceis, um olhar delicado e leve se torna uma tática de sobrevivência. Olho no espelho e já não sou o mesmo, barba longa, cabelo crescido... Sim, eu que sempre fui tão vaidoso vou aos poucos me desprendendo dessas amarras, meu olhar interno prevalece, meu reflexo é a imensidão de sensações que habitam no meu peito e vão se transformando em cartas de amor, versos de músicas ou espasmos de poesias.

Sonhos

Além da minha mãe, Dona Marly, amiga de vida e de quarentena, me fazem companhia sonhos, pensamentos, expectativas.

E esse olhar repleto de esperança passou a ser mais forte do que o pessimismo no qual às vezes encaro os dias "comuns". Olhar para o futuro se tornou desejo pelo passado, quero reviver todas as alegrias que tive nessa vida de tantas surpresas.

Deparo-me com a vida que agora exige a percepção de detalhes nunca vistos (ou pelo menos não valorizados). É admirar o botão da flor que nasce no quintal da vizinha da frente, os passarinhos que cedo da manhã pousam na minha janela, ou o olhar sincero da minha cadela Nina, clamando um pouco de carinho. É apreciar o silêncio do vento, e por vezes parar para escutar o que diz o meu coração. É ficar atento aos sinais, mesmo que estes não digam absolutamente nada.

A forma de ver a vida se ressignificou, assim como os sonhos, as metas e o simples. Alimentar saudade virou também uma nova visão de que nossa existência é curta e que o amanhã é sempre uma incógnita. Celebrar o hoje passou a ser parte do meu processo de sobrevivência e rememorar momentos felizes é minha força de continuar e a paciência para pazear.

Sigo aqui da varanda vendo a cidade, e no meio destas minhas palavras encerrou-se mais um dia, o sol adormece no horizonte enquanto a lua se desperta no céu estrelado. Eu prevaleço à espera de um novo nascer, de um novo sonho, um novo olhar, um novo amanhã e quem sabe até um novo amor, torcendo sempre para que estes tragam anúncios de tempos melhores!

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