Um mar de histórias

Escrito por Márcio Dornelles , marcio.dornelles@diariodonordeste.com.br
Legenda: Em uma manhã comum, homens do mar trazem a embarcação para o descanso na areia
Foto: Foto: Márcio Dornelles

Um doce menino observa todo o mundo que vem do mar. Ao lado dele, um senhor, talvez o pai. Juntos, em silêncio, sentados à beira de uma jangada repousada na areia, torcem pela segunda embarcação, arrastada por um grupo de homens salgados. A igapeba quase-moderna se move arredia fora da água, com a ajuda de dois tocos de madeira e muitos braços. Estão todos no Poço da Draga, na curta faixa de areia entre a Ponte Velha e a barreira de pedras.

Enquanto o gurizinho afina os olhos para incorporar à rotina do pensamento aqueles movimentos grosseiros e ordenados, a turma faz força uma, duas, três vezes. Avança. Para. Respira. Reposiciona os tocos. Empurra. Adianta mais um metro. O menino se ajeita na jangada, como se tentasse ajudar também. Não diz uma palavra, mas suspira.

Há uma contraluz refletindo dias e noites nos corpos dos bravos jangadeiros. Os velhos riem dos novatos, que riem de si mesmos. "Essa peste ainda não aprendeu a botar os tocos. Olha aí, Chico, o serviço", diz um senhor com barba grisalha e a pele do Sol, um dos mais experientes e mais gaiatos. Chico ou quem eu penso ser Chico solta uma boa risada. "Sabe mesmo não, óia", completa.

Depois das brincadeiras, velhinhos, iniciantes e curiosos voltam as forças, com as armas que têm, para, de novo e de novo, levar a jangada para descansar na praia - longe da água, mas não do sal.

A trabalheira toda durou uns 30 minutos, até que a embarcação chegasse ao ponto certo, para o delírio dos olhares de fora - e de dentro. A vela foi levantada para secar ao vento e à luz. A turma se dispersou satisfeita, distribuindo tapinhas e piadas que só eles entendiam. É a missão dada que precisa ser cumprida a cada retorno da pesca, boa ou ruim, longa ou curta, com temporais ou calmarias.

Assim somos nós, no retorno das nossas viagens ao mar aberto, trazendo de volta a embarcação ou o que sobrou dela, arrastando com braços, pernas, ombros, peito e cabeça para a praia. É preciso contabilizar ganhos e perdas, repousar a estrutura inteira, secar a vela, procurar avarias e programar o próximo retorno ao oceano.

Eu estava nos olhos do meninote, que passeava a vista pelos sóis, sais e sons - sim, porque os olhos também escutam - daquela manhã comum para todos aqueles homens, mas estranha, por enquanto, para quem ainda vai viajar por terras e mares bravios. São as histórias que o mundo do mar conta todos os dias, em silêncio, como o guri e o pai, na beiradinha daquela jangada.

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