Tecnologia e riscos urbanos ameaçam envelhecimento saudável

Em 2034, maioria da população cearense já será composta por pessoas com mais de 60 anos. Se, de um lado, a expectativa de vida aumenta; de outro, o ritmo da rotina e violência urbana podem abreviar esse tempo

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Legenda: É preciso cuidar agora para que possamos ter uma velhice saudável e segura
Foto: Foto: JL Rosa

Em 2010, éramos crianças e adolescentes, em maioria: as faixas etárias que predominavam no Ceará eram de 10 a 14 anos, entre homens, e 15 a 19 anos, entre mulheres. Ficamos adultos, nove anos depois: cearenses de 20 a 24 anos são, atualmente, a maioria da população, segundo números do IBGE compilados pelo Núcleo de Dados do Sistema Verdes Mares. Nos anos 2050, os idosos serão a faixa etária mais numerosa individualmente, apontam as estimativas. Mas como os jovens de hoje têm traçado o caminho até a velhice? E, além disso, quem cuidará dos idosos do futuro?

“De mim, meus irmãos mais novos”. A sentença é dita sem hesitação pela analista de Recursos Humanos Camila Corrêa, que só vai atingir a terceira idade em 2045 – mas hoje, com 34, já projeta, com tom de certeza, uma “velhice sem tantas doenças”. “Se eu conseguir controlar a diabetes hoje, me vejo uma pessoa sem tantos problemas de saúde, apesar de não praticar atividades físicas. Porque não tenho nenhum hábito de risco: não fumo, não bebo, minha alimentação não é tão ruim, tirando o doce... E meu histórico familiar favorece”. 

O diagnóstico de pré-diabetes, revelado no último check-up, não é atribuído somente à alimentação – mas também ao sedentarismo e à “relação intensa” com a tecnologia. “Nas horas livres, eu durmo e assisto a séries e filmes no celular. Eventualmente eu saio, e quase sempre pra comer. Já fiz caminhada, academia, muay thai, zumba... Mas desisti de tudo. Em resumo, sou eu que não me esforço pra fazer uma atividade”, reconhece Camila.

Tecnologia

O padrão se repete para o administrador João Paulo Nogueira, 29, que até chegou a se matricular na natação, mas “faltava muito devido à rotina de trabalho” e acabou por “perder a empolgação”. “A academia era mais ou menos perto de casa, mas tinha dias que eu já chegava tão cansado do dia que só queria dormir. Era muito mais estressante do que relaxante”, assume o jovem, consciente de que “a conta vai chegar, com uma velhice provavelmente mais difícil”. 

A pesquisa “Saúde, Alimentação e Atividades Físicas”, divulgada pelo Instituto Opnus em agosto deste ano, refletiu o padrão de Camila e João: 49% dos cearenses não têm qualquer hábito de praticar exercícios físicos. Entre os idosos, são 61% sedentários.

Para Ana Luísa Batista Santos, mestra em Saúde Coletiva e professora do curso de Educação Física da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o momento que vivemos é de alerta, já que três principais fatores têm ameaçado o alcance de uma velhice saudável pelos cearenses: a negligência com as saúdes física e mental, o uso abusivo de tecnologias e o aumento da exposição aos fatores de risco urbanos. “A tecnologia nos limita: se eu deixo de ir ao banco pagar uma conta, porque faço por aplicativo, abro mão das possibilidades de caminhar, de ver um colega que não via há tempos. Precisamos tocar mais as pessoas e menos a tela. O vínculo e o afeto têm poder de cura imenso, de evitar patologias físicas e mentais. O indivíduo pode ter hipertensão por estar estressado: e o simples contato com o outro o deixa mais relaxado. Não temos ideia da dádiva que é sermos seres sociais”, salienta.

A importância dos laços afetivos também é evidenciada por Liana Mara Rocha Teles, doutora em Enfermagem e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). “As famílias estão menores e há um enfraquecimento dos laços sociais: um vizinho que se tornava família, hoje é desconhecido”, lamenta, pontuando como isso afeta a saúde mental do “futuro idoso”. 

“Os jovens estão mais vulneráveis aos transtornos, tanto pela correria do dia a dia, que gera ansiedade, como pela influência das mídias sociais, que estabelecem um padrão-ouro de vida. Isso os desgasta muito”.

Políticas

Para Ana Luísa, porém, a obtenção de uma longevidade positiva requer políticas públicas eficientes não apenas no âmbito da saúde, mas da segurança. “A tendência é que a geração que nasce agora seja a primeira a morrer antes dos pais. Os índices de mortalidade de jovens por causas urbanas, como a violência, e por doenças cardiovasculares só aumentam. Então, a geração atual de 30 anos vai ter de cuidar dela mesma, quando idosa, se tiver condições físicas e econômicas”, projeta.

Um futuro financeiramente saudável é outra que se soma às preocupações dos jovens contemporâneos, como destaca Liana Mara, sendo imprescindível também para garantir o autocuidado. 

“É importante que o jovem tenha a ciência de que, com o envelhecer, ele vai precisar ter um capital maior no sentido de previdência. Com a aposentadoria, mesmo não sendo sinônimo de deixar de trabalhar, há redução salarial e aumento de custos – com saúde, por exemplo. É preciso ter essa reserva, se preparar”, aconselha Liana. 

A especialista em saúde do idoso ressalta, ainda, que a geração atual precisa atentar à formação específica de cuidadores, “a profissão do futuro”, e à estruturação dos equipamentos de assistência e institucionalização, tanto públicos como privados. 

“O que precisamos ver é como melhorar as instituições, inclusive para evitar que, ao ingressarem, os idosos vivam em isolamento social e adoeçam. É preciso cuidar da população adulta hoje para pensar esse envelhecer saudável”.

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