Saiba o que especialistas do Ceará dizem sobre proposta de reclassificação da Covid-19

Estudo recém-publicado por dez pesquisadores em revista científica da Fiocruz defende que a doença passe a ser listada como febre viral trombótica, porque vai além dos quadros pulmonares

Escrito por Lígia Costa , ligia.costa@svm.com.br
Legenda: A reclassificação aponta para evidências do aumento na formação de coágulos ou trombos pelo Sars-CoV-2
Foto: Oli Scarff/AFP

Avançar no conhecimento sobre o agravo da Covid-19 e contribuir para o manejo clínico dos casos e pesquisas científicas relativas à doença. É este o objetivo de um grupo multidisciplinar de dez pesquisadores que defendem a reclassificação da Covid - hoje listada como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) - para febre viral trombótica.  

A defesa pela reclassificação, segundo eles, se baseia no fato de que o novo coronavírus (Sars-CoV-2) aumenta a formação de coágulos - chamados também de trombos – que podem obstruir a circulação.  

Os pesquisadores do estudo, recém-publicado na revista científica Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, também destacam que a nomenclatura SRAG é inespecífica, pois abrange uma série de manifestações clínicas. Já a febre viral trombótica retrataria uma síndrome específica e tal definição seria fundamental para a área da Saúde. 

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Mas seria essa uma classificação mais plausível, considerando o atual cenário da pandemia e as mutações do coronavírus? Veja o que especialistas da área no Ceará pensam sobre a proposta de reclassificação da Covid-19.

Compreensão da doença

Para o infectologista e consultor da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE), Keny Colares, embora a proposta de reclassificação para febre viral trombótica seja “provocativa” para motivar vários debates, talvez não traga benefícios práticos que melhorem a compreensão da doença. 

Primeiro, porque nem todos os pacientes com Covid-19 apresentam, necessariamente, complicações devido à coagulação, enquanto o acometimento do pulmão é “mais frequente” e verificado em “quase todos” eles.  

“A maioria dos pacientes não precisa utilizar anticoagulantes. Geralmente, [quem precisa] são aqueles que hospitalizam, que já têm sintomas mais graves da doença para evitar que aconteça alguma coagulação. É o que a gente chama de profilaxia”. 

Keny Colares endossa que os pesquisadores defendem, na verdade, realocar o coronavírus para outro grupo de doenças [síndromes] e não alterar o nome da Covid-19. “Mover esse vírus para outro grupo de doenças talvez complique, ao invés de simplificar. Porque, se é fato que a coagulação é uma das coisas importantes dessa doença, não é a única coisa importante”, opina. 

Febre como sintomas 

Atuando na linha de frente contra a Covid-19, a médica cirurgiã do Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar (HMJMA) Luísa Lucas Alves também acredita que a reclassificação para febre viral trombótica possa ser problemática, pois nem todos os pacientes com Covid têm febre.  

A maioria dos pacientes mais graves apresentam febre em algum momento, mas nem todos. Inclusive, no meu dia a dia, muitos pacientes não têm febre em nenhum momento. E quando apresentam, muitas vezes, já é por uma infecção secundária, não necessariamente pela Covid em si”
Luísa Lucas Alves
Médica cirurgiã

De acordo com a médica, ainda que a Síndrome Respiratória Aguda Grave seja um termo mais abrangente, é o que está mais próximo da realidade dos pacientes acometidos pela doença. “Na maioria das vezes, o paciente busca um atendimento e é internado realmente por causa de um desconforto respiratório. Essa tem sido a principal causa de internação”.  

Mais que uma aumento na formação de coágulos, a médica cirurgiã percebe uma “resposta inflamatória exacerbada do corpo” no agravo da Covid. O que acaba por prejudicar todos os órgãos do paciente. Essa fase inflamatória mais aguda, afirma, costuma ocorrer entre o 7º e o 14º dia da doença. 

Por outro lado, ela corrobora com os pesquisadores, declarando que, via de regra, os pacientes têm maior tendência à formação de trombos. Tanto que o uso de anticoagulantes - exceto em casos de contraindicação - já virou parte do protocolo de tratamento dos pacientes internados com Covid-19.  

Foto: Shutterstock

O uso, no entanto, é iniciado em doses profiláticas. As doses são maiores somente quando os pacientes têm fatores de risco maiores para trombose.  

"Esses pacientes realmente têm tendência maior à formação de trombo. E durante a internação ele vão ter diminuição de mobilidade. Então, essa profilaxia a gente já usava em outras situações, em doses menores. E é feito nesses pacientes, mesmo em enfermaria”. 

Essencial para diferenciar de outras doenças

Cirurgião vascular, Luís Rufino Oliveira Magalhães avalia a reclassificação da Covid-19 como essencial para diferenciá-la de outras doenças listadas como Síndrome Respiratória Aguda Grave.   

Segundo o médico, “praticamente todos” os pacientes infectados pelo coronavírus fazem uso de anticoagulantes. Por isso, considera necessário ampliar o rigor dos critérios de utilização desses medicamentos.  

Muitos pacientes, principalmente os que não têm indicação de internação hospitalar, estão usando essas medicações, prescritas ou não por médicos. Algumas vezes, sem indicação e sem estudos científicos que comprovem a real eficácia de algumas dessas medicações nessa doença viral específica”
Luís Rufino Oliveira Magalhães
Cirurgião vascular

Contribuições ao estudo da hipercoagulação

Além de trazer à tona a classificação de febre viral trombótica, o estudo reúne evidências científicas sobre a hipercoagulação na Covid-19. Esta, inclusive, está entre as principais contribuições do artigo, que é assinado por especialistas em terapia intensiva, cardiologia, hematologia, virologia, patologia, imunologia e biologia molecular.

“Eles estão trazendo algumas informações interessantes pra gente compreender um pouco melhor porquê os pacientes têm a coagulação alterada, aumentada. E ver se a gente consegue ter um tratamento que tenha mais sucesso, do que só usar anticoagulantes”, constata Keny Colares.   

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