Questões familiares e violência geram transferência de alunos no CE

Em média, por ano, 5 mil estudantes são transferidos de escolas no Ensino Médio da rede estadual. Número tem salto significativo nos anos finais do Ensino Básico. Fatores socioeconômicos também explicam mudanças

Escrito por Redação , metro@verdesmares.com.br
Legenda: Milhares de estudantes da rede pública estadual são transferidos de escola todos os anos, e números aumentam no Ensino Médio
Foto: FOTO: KID JÚNIOR

A transição do Ensino Fundamental ao Médio é, naturalmente, desafiadora para os adolescentes - os conteúdos e professores mudam, as exigências aumentam e o processo de preparação para o vestibular se intensifica. Mas, por diversas razões, todo ano, uma média de 5 mil estudantes da rede pública estadual do Ceará tem de lidar, ainda, com outra novidade: a transferência escolar. Seja por mudança de residência, seja por trabalho ou, ainda, insegurança, o processo gera rupturas e pode impactar na aprendizagem.

Entre 2009 e o ano passado, 63.263 alunos dos ensinos Fundamental e Médio foram transferidos entre escolas públicas cearenses, uma média superior a 6 mil por ano. Do total, 50.293 mil processos foram contabilizados apenas entre alunos dos três anos finais de estudos, de acordo com dados da Coordenadoria de Avaliação e Desenvolvimento Escolar para Resultados de Aprendizagem (Coade) obtidos pelo Sistema Verdes Mares via Lei de Acesso à Informação (LAI).

As estatísticas mostram, ainda, que a quantidade de transferências no Ensino Médio tem aumentado gradativamente: se comparados os anos de 2009 e 2018, a soma de processos dos 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio cresceu cerca de 76,4%, passando de 3.469 para 6.121 estudantes que mudaram de uma para outra escola estadual do Ceará.

O 1º ano do EM lidera em número de transferências ao longo de toda a série histórica. Em 2018, pouco mais de 3 mil estudantes mudaram de instituição nesta série, outros 2.078 pediram transferência no 2º ano, e mais 1.019 trocaram de escola estadual já no último ano escolar.

Amplos motivos

Na avaliação de Kelem Freitas, coordenadora da Coade, "os motivos para transferência são amplos e particulares, relativos ao interesse do aluno". Segundo ela, "podem ser mudança de residência, inserção no mercado de trabalho e outros diversos. A violência no Ceará tem diminuído, mas o fator território também pode determinar uma transferência", lista. Kelem salienta que os processos não têm impacto, já que "o número de transferidos corresponde apenas a 2% da rede de matrículas e aluno está apenas mudando de escola, não abandonando".

Em nota, a Seduc ressaltou que "acompanha esse processo até a confirmação da matrícula na nova escola" e que, "para minimizar os efeitos dessa mudança, a escola que recebe o novo aluno busca promover sua integração na unidade de ensino".

Oportunidades

O estudante Gabriel Rodrigues, 17, contribuiu como um número a mais nas estatísticas. Natural de Fortaleza, o adolescente se mudou com a mãe para o município de Amontada, no Norte do Estado, onde finalizou o Ensino Fundamental e cursou o 1º ano médio. Depois disso, solicitou transferência e lutou por vaga na Capital. "Vim pra cá por mais oportunidades de estudo. Apesar de a escola lá ser muito boa e qualificada, era muito distante de onde eu morava, tinha vezes que era difícil chegar. Mas sinto até saudade", relembra".

Para Gabriel, o processo de adaptação foi dificultado não por problemas de socialização com os novos colegas, "até porque já morava em Fortaleza antes", mas sim pelas diferenças de ritmo e "qualidade" do ensino entre Amontada e a Capital. "No começo, estranhei, porque já tava acostumado lá. Querendo ou não, a gente observa que no Interior é diferente. Aqui, a qualificação dos professores é maior. Lá, a gente não tinha professor formado em inglês, por exemplo. Era muito difícil. Já em matérias mais básicas, era excelente", avalia o adolescente.

Impactos

O professor universitário e doutor em Educação, Marco Aurélio de Patrício, afirma que a quantidade de transferências apontada no levantamento "é excessiva", já que "o ideal é que estudantes permaneçam nas instituições em que estão. A mudança de escola, porém, "não é necessariamente um problema" se funcionar como "estratégia pedagógica". "Se o jovem está numa escola onde o processo de aprendizagem dele não está funcionando bem, a transferência é uma boa opção. Mas a realidade é que a maior parte dessas solicitações no Ensino Médio é de intercorrência de problemas sociais", afirma.

A violência urbana e interpessoal e os fatores socioeconômicos são, para Marco Aurélio, os principais motivadores para que adolescentes passem pela transição escolar nos anos finais de estudo. "Muitos jovens mudam de escola porque têm atrito lá dentro, é uma forma de se afastarem disso. Outra causa muito forte é a necessidade de trabalhar desde cedo, de morar e estudar mais próximo do emprego, pegar menos transportes", enumera o professor, estimando que "24% dos alunos do EM não vão à escola por medo".

Em Fortaleza, 48% dos estudantes da rede pública declararam não se sentir protegidos no ambiente escolar, segundo a pesquisa Infância Protegida, da Organização Não Governamental (ONG) Visão Mundial, divulgada no Diário do Nordeste de julho deste ano. A maior sensação de insegurança foi registrada entre meninas, negros e pessoas com deficiência.

Soluções

Os fatores que aumentam as transferências escolares, aliás, "são os mesmos que levam à evasão", conforme avalia o professor Marco Aurélio. "Os alunos deixam a escola porque não veem sentido na educação. Quando o aluno enxerga um espaço onde aprende coisas que servem para a vida dele, tende a permanecer, se apegar", pontua, propondo que a Secretaria da Educação elabore estratégias específicas para manter o estudante na instituição de origem.

"De posse dos dados, a Seduc deve avaliar o tamanho do problema e investir para que o aluno permaneça na escola. É preciso garantir que seja um espaço seguro, que o ensino esteja funcionando bem, que o jovem possa vivenciar experiências outras, ligadas à cultura, arte, esportes e preparação para o mercado", conclui o doutor em Educação.

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