Projeto “Pretos no Enem” organiza voluntários para pagar taxa de inscrição de jovens negros

No Ceará, iniciativa busca parcerias com cursinhos populares e lideranças comunitárias para chegar até alunos negros sem isenção da taxa. Com aproximadamente 11 mil voluntários, somente cerca 100 alunos entraram em contato com a iniciativa em âmbito nacional

Escrito por Redação ,
Legenda: Lyara Vidal, publicitária cearense e mulher negra, pensa na importância histórica e social dos negros ocuparem os espaços de ensino
Foto: Agência Diário

Foi pensando em como poderia construir práticas antirracistas no cotidiano que surgiu o projeto “Pretos no Enem”. A publicitária cearense Lyara Vidal, 24 anos, teve a ideia de se colocar para pagar a taxa de inscrição, do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), de dois estudantes negros não contemplados pela isenção e sem condições de arcar com o custo durante a pandemia. O podcaster e amigo, Luan Alencar, 25 anos, ao ver o compartilhamento da ideia no Twitter, decidiu se juntar a causa e ajudar a formar uma corrente.

Rapidamente, foi criado um grupo de 71 membros, com pelo menos 17 cearenses, responsáveis por organizar dados, criar planilhas, programar divulgação e entrar em contato com colégios, cursos, professores e entidades. Ao todo, o projeto “Pretos no Enem” registra cerca de 11 mil voluntários, dispostos a pagar no mínimo 1 boleto de algum estudante negro, mas somente um número próximo de100 alunos buscando ser beneficiado da ação

No Ceará, em 2018, a população declarada negra contabilizou 5,3%, conforme dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse índice cresceu 82% entre 2012 e 2018, inicialmente constando 2,9%. O número de pessoas intituladas pardas, nessa mesma pesquisa, englobava 65,7% dos cearenses.

Em cinco dias, o que antes eram iniciativas individuais, iniciadas na última terça-feira (2), hoje (6) se transformou em uma ação de alcance nacional. “Ia ser só uma correntezinha e foi crescendo de um jeito muito louco. A gente começou a ver gente muito influente compartilhando. A Letrux, jogador de futebol, saiu muito do nosso âmbito”, compartilha Luan, responsável por ajudar a formar o grupo inicial de voluntários. 

Para Lyana, as discussões antirracistas levantadas pelo assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos, e de João Pedro, no estado Rio de Janeiro, a motivaram a pensar sobre a questão do racismo no Brasil e a transformar o debate em ação prática.

“Eu vi uma matéria que 300 mil pessoas não iam fazer o Enem por não terem condições de pagar a taxa de inscrição, por isso, me coloquei para pagar de duas pessoas negras”, explica a publicitária. O projeto busca contribuir com uma entrada maior de negros nas universidades, por isso a ação se foca nesse grupo.

“A gente sabe que também existe uma desigualdade social, mas esse é um movimento antirracista, para diminuir a desigualdade racial. Nossa ideia é tentar equilibrar um pouco a balança”, aponta Luan. 

Desafios

Apesar da iniciativa ter chegado a alcançar voluntários de todo o Brasil, somando cerca de 11 mil pessoas, ainda não conseguiu chegar até os estudantes que a necessitam. No Ceará, parte do grupo responsável por organizar a ação, tem entrado em contato com cursinhos populares do Estado, principalmente das regiões próximas do Cariri. O projeto aguarda retorno de professores e diretores com informações de estudantes que se aplicam no perfil da iniciativa.

Em âmbito nacional, foram realizados contatos com Central Única de Favela (CUFA), União Nacional dos Estudantes (UNE) e União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES). 

“Existe essa barreira da bolha. O estudante que precisa não está necessariamente no instagram e na internet. Por isso, a gente começou a entrar em contato com cursinhos comunitários”, afirma Luan.

Lyara, mulher negra, aponta a importância histórica e social dos negros ocuparem os espaços de ensino. “Um ambiente diverso traz outras perspectivas, outras vivências, outras histórias de vida, então, no ambiente acadêmico isso pode trazer todo um universo de pesquisa diferente”, finaliza. 

Serviço
Para se voluntariar ou ser contemplado pelo projeto, é necessário entrar em contato com os organizadores através do instagram @pretosnoenem

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