“Peço resiliência pra começar do zero”: moradora relata perdas com demolição de prédio na Maraponga

Material de trabalho, pulseira de identificação da maternidade do primeiro filho e álbum de casamento estão entre os inúmeros bens que Emanuelle Lima perdeu de forma irrecuperável

Escrito por Redação ,
Legenda: Fotos da família ficaram em computador perdido entre os escombros - sobrou uma captura de tela
Foto: Foto: Arquivo pessoal

O esforço investido para pagar as fotografias que eternizariam a cerimônia de casamento tornou o álbum um dos bens mais preciosos da casa. Junto dele, a pulseirinha que identificava o braço de Noah ao sair da maternidade e as primeiras roupas que o primogênito vestiu também guardavam a memória do dia em que a vida do casal Emanuelle Lima, 29, e Bruno Pinheiro, 31, mudaria para sempre, há um ano e três meses. Hoje, tudo está soterrado sob o entulho que resultou da demolição do prédio que ruiu, em 1º de junho, no bairro Maraponga.

A lentidão e a incerteza das negociações entre proprietários do edifício e moradores, que seguem sem assistência após um mês do desabamento, chegam a castigar até menos do que as lembranças. “Perdemos toda a construção de uma vida. Tinha as fotos do nosso casamento, que fizemos com todo esforço. As do casamento da minha irmã, que nem fizemos álbum, estavam no notebook. Tudo perdido”, lamenta a nutricionista, (ex-) moradora do 3º andar. 

Segundo Emanuelle, os danos psicológicos vão muito além da lembrança de quando precisou ser carregada nos braços pelo marido, “descendo três andares que pareciam dez”, ao paralisar de pânico ouvindo os estalos que anunciavam a tragédia iminente. “A gente tinha um fio de esperança, porque disseram, quase garantiram, que iam tentar resgatar os documentos e nossas coisas de valor sentimental. Mas quando começou a demolição, o que aparentou é que queriam terminar tudo num dia. Foi um desrespeito.”

“Imensurável”

Geladeira, fogão, TV e todos esses objetos que podem compor uma casa também estão na lista de prejuízos do casal – mas para Emanuelle, cujo apartamento foi um dos primeiros demolidos pela retroescavadeira utilizada no processo, “isso não é prioridade”. “Alguns moradores conseguiram recuperar álbuns e outras coisas. Eu, nada.” Silêncio. Soluço. “Desde antes da minha formatura eu tinha meu computador, precisava dele pra tudo. Perdi cursos, vídeos que eu fazia, serviços personalizados dos clientes… Meu esposo é projetista e perdeu tudo o que construiu por anos. Vamos ter que partir do zero.”

Os dez cadernos “escritos de ponta a ponta” com os estudos de Bruno e a carta que ele recebeu de Emanuelle informando sobre a chegada de Noah também estão arquivados, agora, apenas na memória. “Não tem dinheiro no mundo que pague isso. Como é que volta no dia pra registrar tudo de novo, o casamento, o nascimento? Não tem como. O dono do prédio entrou lá e pegou dinheiro, documentos e o que quis. Se ele podia, por que a gente não?”, questiona. 

Para a moradora, a situação toda representa, acima de tudo, negligência. “Roubaram nossas coisas. Recebi uma ligação do cartão de crédito dizendo que tinham feito uma compra internacional. Sabiam que não tinha sido eu e ligaram. Aquele prédio era uma mina de ouro, e os ladrões entraram. Pra que os policiais serviram?”

O Sistema Verdes Mares entrou em contato com a assessoria de comunicação da Secretaria de Segurança e Defesa Social (SSPDS), na tarde dessa segunda-feira (1º), mas ainda não obteve resposta sobre como tem funcionado o policiamento no local.

Desinformação

Emanuelle denuncia, ainda, que "nem os donos, nem os responsáveis pela demolição, nem a imobiliária, muito menos a Defesa Civil está dizendo para onde estão levando os restos de nossas coisas". A Defesa Civil informa, porém, que "objetos, demolição e separação dos entulhos são responsabilidade dos proprietários".

O órgão afirmou, ainda, que vai fazer uma vistoria, após a remoção dos entulhos, para liberar ou não os imóveis interditados ao redor. O engenheiro responsável pela demolição garantiu à Defesa, segundo a assessoria deste órgão, que o trabalho será finalizado até a próxima sexta-feira (5). "Os imóveis que não apresentarem nenhum tipo de risco após a demolição serão liberados para os moradores. Se algum tiver avarias, os donos do prédio demolido serão notificados para iniciarem os reparos necessários."

Silêncio

Emanuelle, Bruno e Noah vivem, agora, na casa de familiares, recebendo apoio e doações de roupas, fraldas, calçados e outros insumos após saírem de casa “com a roupa do corpo”. A ajuda, porém, não vem de quem mais deveria. “Em nenhum momento fomos procurados pela imobiliária nem pelo dono. Ficamos esperando a ligação. Se a gente atrasasse o aluguel num dia, já era o desespero, cobravam por e-mail, ligação, Whatsapp, tudo. Mas depois que aconteceu, nunca ligaram. Se eles não estão vindo atrás, a gente vai. Não quero nada além do que era meu”, sentencia a nutricionista.

A resposta dos proprietários do prédio, os irmãos Arisol e Solimar Parente, é a mesma dada a Joice, cuja história já contamos aqui, e ao Sistema Verdes Mares: nenhuma.

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