Pandemia de coronavírus afeta acesso a saúde, assistência social e educação no Ceará, aponta estudo

Pesquisa revela que parte dos municípios do Estado deixou de acompanhar estudantes com risco de abandono escolar e suspendeu atendimentos na saúde e na assistência social

Escrito por Felipe Mesquita , felipe.mesquita@svm.com.br
Legenda: Impacto socioeconômico da pandemia expõe crianças e adolescentes à ausência de direitos básicos
Foto: Foto: Camila Lima

A problemática global causada pelo alastramento dos casos de coronavírus tem proporções ainda não calculadas integralmente. Contudo, parte dos efeitos locais da Covid-19 já está sendo mapeada pela Associação para o Desenvolvimento dos Municípios do Ceará (APDMCE). Levantamento da entidade concluiu que a priorização do enfrentamento à doença pandêmica tem colocado em risco a manutenção de serviços básicos, como saúde e assistência social, e aumentado o risco de abandono escolar por crianças e adolescentes.

O estudo foi feito entre 31 de março e 5 de abril, e dos 184 municípios cearenses, apenas 71 responderam à pesquisa, incluindo Fortaleza. Dos 75 gestores e técnicos consultados, 38% confirmaram que "está havendo algum acompanhamento de crianças e adolescentes em risco de abandono escolar" durante o isolamento social, cuja estratégia vem obrigando instituições de ensino remodelaram o calendário letivo, com ensino domiciliar ou férias antecipadas, por exemplo.

Os representantes são de cidades cearenses que "estavam avançando em relação à Busca Ativa Escolar", mas enfrentam dificuldades para reverter o gargalo no período de quarentena. A presidente da APDMCE, Sônia Fortaleza Pinheiro, sinaliza que a falta de informações sobre os estudantes pode dificultar o resgate deles à sala de aula.

A possibilidade de evasão escolar nos preocupa muito, porque o aluno está em isolamento, mas à medida em que as atividades forem sendo retomadas, não sabemos se vai retornar. Muitas podem se deslocar com a família e dificultar a nossa ‘pescaria’", explica.

A solução para evitar a dispersão dos alunos, indica Sônia, está no acompanhamento individual de cada caso através de uma ação conjunta. Isso porque o atual cenário demanda atenção “técnica, profissional e emocional” de todos os setores da gestão pública. “Os professores e o núcleo gestor precisam continuar mantendo o vínculo junto com as agentes de saúde que são nossas porta-vozes nas casas de cada cidadão, ficar atentos a cada família”.

Saúde

Ainda na esfera educacional, a pesquisa registrou que nas unidades de ensino de 48,6% dos entrevistados não está sendo ofertada alimentação escolar às crianças matriculadas. Fortaleza, que também participou da sondagem, não está incluída nessa variante, já que a Secretaria Municipal da Educação (SMS) distribuiu kits de merenda aos alunos da rede pública no fim do mês de março.

O diagnóstico da pesquisa revelou ainda múltiplos problemas na assistência à saúde. Conforme o estudo, consultas para avaliação de crescimento e desenvolvimento (puericultura) que haviam sido pré-agendadas não foram ofertadas pelas unidades básicas.

52%
dos participantes da pesquisa confirmaram o cancelamento de serviços relacionados à saúde nos municípios

De acordo com a pediatra Vanuza Chagas, o trabalho de puericultura acontece mensalmente até o primeiro ano de vida da criança. A mãe recebe orientações sobre amamentação, introdução alimentar, prevenção de doenças, além de aferição de peso e estatura do bebê. Na rede particular, a consulta está acontecendo através de telemedicina, mas se o recurso não for possível na atenção pública, a alternativa é que haja a suspensão temporária do processo.

“Se tiver a consciência de que a única forma de conter a pandemia é por meio do isolamento social, realmente tem que pesar o risco-benefício. Tem que observar os casos, se é uma mãe que fez um bom pré-natal, que não teve intercorrências, se a criança teve as primeiras vacinas, a consulta no sistema público poderá ser adiada para benefício da mãe e do bebê, porque são pacientes de risco para o coronavírus”, detalha. 

Proteção

A médica cita ainda que a cobertura a mães no puerpério pode ser garantida por equipes do programa de saúde da família. “Elas são muito atuantes. Então, o que se pode fazer é ir até a casa do bebê  das famílias que podem ter mais risco, eu acredito que já esteja sendo feito isso”, pondera. Para aquelas que tiveram o acompanhamento suspenso, a pediatra recomenda que “elas fiquem tranquilas, seguras e tentem seguir o que ouviram na maternidade”.

Em relação aos serviços de apoio e proteção a famílias com vulnerabilidades, o estudo indicou que 50% declararam a suspensão das atividades do Sistema Único de Assistência Social (Suas) do Ministério do Desenvolvimento; 42,65% afirmaram que as equipes continuam trabalhando em regime de plantão e 39,71% com horário reduzido. 

“O que mais nos deixa aflitos é que nós estamos em um ano eleitoral, e qualquer atitude que o gestor municipal venha a tomar de forma assistencialista, o Ministério Público pode interpretar de outra forma, e isso pode deixar gestores questionando se podem ou não tomar essas medidas, como distribuição de cestas básicas para famílias carentes”, pontua.

Municípios

Responderam ao levantamento as cidades de Fortaleza, Aiuaba, Alto Santo, Aracati, Aratuba, Assaré, Banabuiú, Barbalha, Cascavel, Cruz, Forquilha, Ipu, Itaiçaba, Itapajé, Madalena, Massapê, Mulungu, Novo Oriente, Ocara, Pacatuba, Pacoti, Palmácia, Paracuru, Paramoti, Piquet Carneiro, Quixelô, Quixeramobim, Santa Quitéria, São Benedito, Sobral, Tamboril, Uruburetama, Várzea Alegre, Pentecoste, Acopiara, Alcântaras, Altaneira, Antonina do Norte, Baixio, Barreira, Barroquinha, Campos Sales, Catunda, Choró, Crato, Eusébio, Fortim, Guaiuba, Guaraciaba do Norte, Hidrolândia, Ibiapina, Icapuí, Ipaporanga, Iracema, Maranguape, Martinópole, Mauriti, Milhã, Mombaça, Monsenhor Tabosa, Penaforte, Pindoretama, Quixeré, Redenção, Solonópole, Ubajara, Uruoca, Senador Pompeu, Croatá, Itapipoca e Maracanaú.

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