Palcos Urbanos

Escrito por Barbara Câmara , barbara.camara@diariodonordeste.com.br
Legenda: O Theatro José de Alencar se mantém em meio a outros palcos, mais mundanos e igualmente espetaculares
Foto: FOTO: NAH JEREISSATI

Fortaleza, assim como tantas outras cidades, tem a característica de abrigar muitos palcos. Grandes ou pequenos, públicos e sempre acessíveis, os 'palcos urbanos' dão espaço para o desenrolar de um sem-número de histórias extraordinariamente mundanas, como em uma esquina ou na entrada de um supermercado.

Mas não vamos falar destes. O palco da vez é a Praça José de Alencar que, sozinha, já se sustenta como história.

No meio da tarde de uma terça-feira, a visita a um dos símbolos do grandioso Centro me tornou espectadora do desenrolar de mais um dia na feira conhecida que toma a praça. A trabalho, o papel de observadora me serviu convenientemente: não era preciso qualquer esforço para absorver a realidade pulsante do local.

Correndo os olhos pelo espaço, ouvi o primeiro brado sem aviso prévio. Uma voz se destacou por cima do ambiente já barulhento. Entre o susto e a curiosidade, encontrei a origem do som em uma interação peculiar. Do lado estridente, uma mulher de baixa estatura, agarrando firmemente uma bolsa amarela e balançando toda a sua forma com a força de gestos e gritos. Do lado ouvinte, um homem magro, com a cabeça coberta por um boné, e baixa entre os ombros encolhidos.

As figuras eram separadas apenas pela pequena distância entre o peito do homem e a ponta do dedo indicador da mulher, no meio de um pequeno círculo espectadores que parecia se formar naturalmente em torno deles.

"Já disse que 'num' quero mais saber de 'ti'! Me deixe! Tu 'teve' ontem na casa da minha mãe pra me procurar, 'num' foi? Responde!".

A voz dela acompanhava movimentos com as mãos, que se mexiam como se regessem uma orquestra invisível. Em um gesto que parecia reconhecer a própria culpa, ele baixou mais a cabeça, em silêncio, o que não adiantou para evitar a mira do olhar acusatório de sua interlocutora.

"Tome vergonha na cara, 'homi'! Tu 'tem' o que fazer da tua vida, tem tuas 'filha'! 'Num' se meta na minha, não!". Ela berrava, sem demonstrar qualquer intenção de se afastar.

A multidão orbitava em torno da cena, atraindo ainda mais atenção. Ao longe, era possível ouvir outros gritos, curtos e estridentes: a famosa vaia cearense, que parecia incentivar o monólogo do lado de cá. Outra mulher, a poucos metros da dupla, ensaiou uma tentativa de separá-los sem se aproximar muito, e sem sucesso. A voz engasgada com o riso interrompeu a si mesma.

Sem saber como reagir à exposição daquela "intimidade", agora pública, que se desenrolava na praça, me meti entre dois manequins da feira, quase derrubando um deles no processo. Não sabia direito do que fugia, mas com o alívio da distância, os gritos, agora abafados, não mais chamavam a atenção nem obrigavam a desviar o olhar.

Tantos dias depois, reconheço que não deixo de ser espectadora, nem pretendo deixar de ser. Os espetáculos da sociedade são inevitáveis e necessários. O chão da praça e de toda a Fortaleza continuará sendo espaço-palco sob os pés de atores da vida real.

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