Os contrastes e particularidades da orla marítima de Fortaleza

Escrito por Redação ,
A beira do mar, em Fortaleza, tem a extensão de 25 Km. Nela, é possível encontrar o luxo, o lixo, a insegurança e a preservação ecológica

A orla marítima de Fortaleza é cheia de incoerências. Com 25Km de extensão e 13 bairros, é possível encontrar os mais diversos cenários: o nascimento da cidade, na Barra do Ceará; a riqueza e imponência dos prédios do Meireles; os tradicionais pescadores no Mucuripe, o turismo ecológico na Sabiaguaba; a insegurança no Vicente Pinzón, Moura Brasil, Cristo Redentor e Pirambu; a valorização imobiliária em Jacarecanga; as barracas na Praia do Futuro; as intervenções na Praia de Iracema; o estaleiro no Centro.


Na Barra do Ceará, o lixo na praia, assim como as carcaças de barcos abandonadas têm afastado visitantes. Já na Sabiaguaba, mesmo com a paisagem aparentemente preservada, a população tem dificuldades de acesso Fotos: José Leomar

Em um extremo, na Barra do Ceará, no limite entre a capital cearense e o município de Caucaia, apesar do belo pôr do sol, o que se vê na areia são muitas pedras, carcaças de barco abandonadas e lixo. No outro extremo, na Sabiaguaba, em que o Rio Cocó se encontra com o mar, o cenário encanta e é possível avistar um mar limpo e com cor variando entre azul e verde, além de muita vegetação no entorno formado pelo mangue.

As diferenças não são apenas nas paisagens. A Barra do Ceará, de acordo com o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é o bairro com a segunda maior população em Fortaleza. São 72.274 moradores distribuídos em 20.279 domicílios. Em toda a cidade, a localidade só perde para o Mondubim, onde vivem 75.963 pessoas em 22.094 residências. Considerando-se apenas a orla, o bairro com menos domicílios é a Sabiaguaba. São apenas 582 unidades. Em relação a toda a Cidade, o bairro Sabiaguaba só fica atrás de Pedras (370 domicílios) e Manuel Dias Branco (442).

Poluição

Outra particularidade da orla de Fortaleza é a balneabilidade. Das 31 praias de Fortaleza, 11 - Edifício Arpoador, início da Rua Ismael Pordeus, Farol, Iate, Estátua de Iracema, Ideal Clube, início da Av. Pasteur, Colônia, início da Rua Lagoa do Abaeté, Mucuripe e Barra do Ceará - estão impróprias para banho, de acordo com boletim de sexta-feira, divulgado semanalmente pela Superintendência Estadual de Meio Ambiente (Semace). Entretanto, na época de chuva, até metade das praias chega a ficar poluída, como aconteceu em junho do ano passado.

De acordo com a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), esse problema não é causado por falta de saneamento básico, porque dos 13 bairros de Fortaleza na faixa de praia, apenas a Sabiaguaba não é atendida pelo serviço de esgoto. Na avaliação da Companhia, o que pode tornar as praias impróprias para o banho são as ligações irregulares de esgotos domésticos em redes de drenagem.

Essas galerias estão presentes em várias praias, como a do Mucuripe, Praia de Iracema e Praia do Futuro.

Já no Meireles, bairro em que está localizada parte da Avenida Beira-Mar, via que se estende até o Mucuripe, está o valor mais alto do rendimento nominal médio mensal de toda a Fortaleza, de R$ 5.102,69, ainda segundo o IBGE. É lá também que está o metro quadrado mais caro da Cidade, que custa em torno de R$ 10 mil e é o quarto mais caro do País.

Por outro lado, também é na orla marítima que está o bairro com o décimo menor valor de rendimento médio mensal, o Pirambu. Neste bairro, as pessoas com mais de dez anos que têm rendimentos ganham, em média, R$ 600, ou seja, menos de um salário mínimo.

Mas não é só a renda que marca as ambiguidades da orla. A violência também é um problema que está presente ao longo do espaço. Na Barra do Ceará, por exemplo, o comerciante Alberto de Souza, que tem barraca naquela praia há mais de 30 anos, reclama dos assaltos, que continuam afastando as pessoas. "A violência é um problema ´eterno´ da Barra do Ceará. O bairro precisa eliminar esse estigma para conseguir atrair visitantes", considera.

O comerciante também se queixa da falta de iluminação da Praça Alberto de Sousa, localizada na Avenida Radialista José Lima Verde, e do píer sobre o Rio Ceará. "Está com mais de um ano que o píer está sem luz. Assim, ninguém tem coragem de estar aqui à noite. Um local com uma vista privilegiada como esse fica vazio", lamenta.

Mudanças

Na Praia de Iracema, local em que foi realizada uma das obras mais polêmicas dos últimos dez anos, o Aterro, os moradores já sentem o impacto causado pela construção dos muitos prédios próximos à praia, com a valorização comercial daquela região.

A empresária Vera Costa reside no bairro há mais de 20 anos e acompanhou as principais mudanças da região. "Antes da construção do Aterro, em 2001, na época de ressaca, o mar chegava na minha garagem. Isso foi contornado com o novo equipamento", avalia.

O calor também tem incomodado quem mora naquele bairro. "De uns tempos para cá, foram feitos muitos prédios nesta área. Quem mora no quarteirão logo atrás da Avenida Historiador Raimundo Girão está sentindo muito calor, porque com esse ´paredão´, o vento não chega até lá", destaca.

Além disso, a violência é outro problema que também aflige quem mora na Praia de Iracema. "Na Cidade, ninguém está imune a sofrer um assalto. Para me prevenir, evito fazer cooper no calçadão. Têm horários em que a gente não vê um policial".

Resíduos

Na Sabiaguaba, a vista é de encher os olhos. Mar limpo, areias brancas e o silêncio nos dias da semana fazem com que o visitante tenha a sensação de estar fora da cidade de Fortaleza. Contudo, basta dar uma volta pelas estradas que dão acesso à praia, para constatar que o cenário não está tão preservado como era antigamente.

Nas dunas, é possível ver garrafas PET e outros resíduos sólidos. "Quando comecei a trabalhar aqui, há 15 anos, não tinha essa sujeira. As pessoas que vêm para fazer retiros e outros eventos deveriam, pelo menos, trazer sacos plásticos para o lixo", conta a caixa Kélvya Borges.

O acesso também é empecilho para que a praia seja mais frequentada. "As pessoas mais pobres não vêm porque o ônibus demora muito, e os ricos têm medo das estradas, que têm muitos assaltos, além de serem de terra batida", explica.


SAIBA MAIS
Bairros
A orla de Fortaleza abrange 13 bairros: Jacarecanga, Barra do Ceará, Moura Brasil, Centro, Cristo Redentor, Mucuripe, Vicente Pinzón, Praia de Iracema, Praia do Futuro I e Praia do Futuro II e Sabiaguaba

Praias
De acordo com a Semace, a balneabilidade de 31 pontos de praia são vistoriados semanalmente. Destes, nove estão impróprios

Desigualdade
A Barra do Ceará tem a segunda maior população. A Sabiaguaba, o terceiro menor número de domicílios. O Meireles é o que possui a maior renda média e o Pirambu é o 10º entre os com a menor renda

OPINIÃO DO ESPECIALISTA
A falta de planejamento na ocupação

Odilo Almeida
Presidente do IA B-CE


O desequilíbrio na ocupação territorial da orla marítima de Fortaleza tem origens históricas baseadas na desigualdade social, nos fluxos migratórios provocados pelas secas do século XX e na falta de planejamento e controle urbano.

As atividades econômicas ligadas à indústria, portos e comércio fizeram com que as populações se instalassem, precariamente, na orla marítima, principalmente a oeste, na região do Pirambu; ao Centro, no Poço da Draga; e a leste, na região do Mucuripe. Ocupavam áreas sem nenhuma infraestrutura, sem valor imobiliário, na época, e nas proximidades de onde funcionavam essas atividades econômicas e, portanto, onde havia oportunidades de trabalho. Formaram-se, assim, grandes favelas à beira-mar.

O turismo, como atividade econômica relevante, começou a desenvolver-se mundialmente a partir da década de 1930, com a ampliação das redes de comunicação e de transportes, e, em especial, do transporte aéreo. Esse fenômeno ampliou-se em Fortaleza, a partir da década de 1970/1980, quando o restante das praias que ainda não estavam ocupadas, como a região da Avenida Beira- Mar e da Praia do Futuro, passaram a despertar interesse econômico de investidores imobiliários e hoteleiros.

O desafio contemporâneo é o de eliminar o desequilíbrio e requalificar as orlas, urbanizando as regiões precárias, construindo moradias de qualidade para os mais pobres, promovendo o desenvolvimento de atividades econômicas que potencializem a geração de empregos e criando espaços públicos destinados ao lazer e ao turismo.

Em todo o mundo, soluções como "operações urbanas consorciadas" estão, desde a década de 1950, requalificando áreas degradadas, principalmente nas orlas marítimas e fluviais das grandes cidades. Trata-se de iniciativa do poder público amparada no Estatuto da Cidade que, através de técnicas de planejamento e legislação urbana, utiliza recursos para promover a requalificação urbana, transformando áreas degradadas em áreas de grande valor.

O Instituto de Arquitetos do Brasil, ao longo dos seus 55 anos, tem apresentado aos sucessivos administradores de Fortaleza os benefícios que um eficiente sistema de planejamento urbano, com controle e participação da sociedade, pode proporcionar à vida de seus habitantes.

Violência e poluição ainda afastam visitantes das praias

Entre os problemas relatados por quem vive, tem empreendimento ou está só de passagem pela orla de Fortaleza, um dos mais citados é a violência. Além da empresária Vera Costa, que deixou de frequentar o calçadão da Avenida Beira-Mar por medo de assaltos, não é difícil achar quem também tenha abandonado o hábito pelo mesmo motivo.


No Aterro da Praia de Iracema, moradores reclamam do aumento da temperatura, após o crescimento na construção de novos prédios naquela área da Cidade FOTO: JOSÉ LEOMAR

A oftalmologista Excelsa Costa Lima, que mora no Mucuripe, tem saudades da época em que a cidade era mais tranquila. "Hoje, independentemente do bairro, vivemos tempos de violência. Sair de casa se tornou um exercício de coragem", destaca.

Entretanto, apesar dessa sensação de insegurança, segundo o comandante do Batalhão de Policiamento Turístico (BPTUR), tenente-coronel Cláudio Mendonça, a Polícia Militar tem um contingente de 400 pessoas na área. "Agimos nos locais mais procurados pelos turistas e contamos com 400 homens na Praia de Iracema e na Beira-Mar e mais 100 na Praia do Futuro, a pé, em viaturas, em motocicletas e em lanchas".

Já na Barra do Ceará, de acordo com o comandante da 3ª Companhia do 5º Batalhão da PM, major Océlio Alves, que atua na Barra do Ceará, Pirambu e parte da Jacarecanga, dez policiais em quatro viaturas cobrem a área. "Nossos planos são montar um posto fixo para os PMs na Barra, para cobrir a orla".

Esgotos

Sobre a poluição na orla, a Assessoria de Imprensa da Companhia de Água e Esgotos do Ceará (Cagece) esclarece que as galerias são responsabilidade do poder municipal e têm como função drenar água de chuvas até o mar ou até os mananciais mais próximos. Como as redes de drenagens deveriam receber apenas água de chuva, a assessoria diz que as redes não precisam de tratamento e desembocam diretamente nos cursos de água.

Para se ter uma ideia da quantidade de ligações clandestinas de esgoto, em dezembro de 2012, de acordo com a Cagece, na área abastecida pela Estação de Água do Gavião, 42.976 imóveis tinham rede de esgoto disponível e não estavam interligados. Isso corresponde a uma população estimada em 141 mil pessoas. "A Cagece não tem poder de polícia para fiscalizar ligações clandestinas de esgoto na rede de drenagem. Este poder de fiscalização é dos órgãos ambientais", diz o diretor de operações da Cagece, Josineto Araújo.

Acesso

A equipe de reportagem procurou a Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Fortaleza, para saber o porquê do grande período de tempo de espera por ônibus para a Praia da Sabiaguaba, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição. O Município não se pronunciou sobre as redes de drenagem. A respeito do policiamento da Sabiaguaba, a reportagem tentou contato com o Batalhão da PM responsável pela área, sem sucesso.

De local ermo a sinônimo de status

Para quem vê Fortaleza do alto ou do mar, a impressão é de desigualdade. De um lado, um "paredão" de prédios de luxo e hotéis; do outro, a partir do Centro, vários casebres. Entretanto, esse contraste na faixa de praia só se inicia a partir de meados do século XX, quando a cidade teve um crescimento urbano provocado por processos de separação entre Centro e áreas suburbanas.

Para o professor do Mestrado Acadêmico em História da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Erick Assis de Araújo, morar na praia tinha outras motivações. "No caso de Fortaleza, praia nem sempre foi um espaço de estilo de vida, era mais usada para pesca e tratamento de saúde. Somente a partir dos anos 1930-40 alguns setores da cidade vão criando outras referências além do estilo da Belle Époque e se apropriam do American Way of Life, que usa a praia como lazer sofisticado", ressalta.

Também é a partir de 1940 que a especulação imobiliária começa a agir de forma ofensiva. "Nessa época, proprietários de capital acumulado durante o comércio de algodão, de Recife, se apropriaram de terras periféricas em Fortaleza. Assim, a região vai perdendo seu ar sombrio de local ermo, cúmplice de delitos".

Áreas

Contudo, essa situação permanece até hoje em algumas áreas da cidade, como no Pirambu. A auxiliar administrativa Diana Pereira mora na Rua Santa Elisa e tem o mar como parte do seu quintal, mas admite que os imóveis são desvalorizados se comparados com os que estão fora da orla marítima. "Aqui, por conta do perigo, dá para alugar uma casa por até R$120".

Com a construção de tantos prédios na orla marítima, a cidade ficou mais quente. Para o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Ceará (Crea-CE), Victor Frota Pinto, não há mais o que ser feito quanto a isso. "Infelizmente, a construção de uma ´muralha´ naquela área só se deu por falta de planejamento dos gestores. Em outras cidades, como João Pessoa, isso não é permitido. Houve omissões nesse sentido e não dá para voltar no tempo".

Em Fortaleza, de acordo com o analista de planejamento da Coordenadoria de Urbanismo da Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo (Seuma), arquiteto Carlos Augusto Lopes Freire, a Lei 7987/96 - Lei de Uso e Ocupação do Solo - Consolidada varia de acordo com a área da cidade. "A altura máxima na zona da orla é de 15 metros na Sabiaguaba, pelas especificidades do Plano Diretor, e pode atingir até 72 metros no Meireles".

Com a ocupação de praticamente todos os terrenos de frente para o mar no Mucuripe, Meireles e Praia de Iracema, os olhares se voltam para a Jacarecanga. Conforme o coordenador de Fiscalização da Seuma, Alan Arrais, a região tem despertado interesse das construtoras. "Ali existem empreendimentos multifamiliares e um projeto de shopping onde era a antiga fábrica de redes da família Philomeno".

Legislação

72 metros é a altura máxima permitida pela Lei de Uso e Ocupação do Solo para edificações no Meireles, na Avenida Beira-Mar

KELLY GARCIA
REPÓRTER