MPCE recomenda suspensão de loteamento na Sabiaguaba; Documento aponta influência da obra em parques

Documento do Iphan aponta influência da obra nos parques. Nota técnica afirma que áreas do empreendimento estão sobre zonas integrais, ou seja, que não podem sofrer ações do ser humano

Escrito por Cadu Freitas/Lívia Carvalho , metro@svm.com.br
O Ministério Público recomenda o embargo do loteamento na área do Parque das Dunas
Legenda: Ministério Público recomenda o embargo do loteamento na área do Parque das Dunas
Foto: FOTO: CARLOS MARLON

Uma nota técnica desenvolvida pela Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Ceará afirma que a Área de Influência Direta (AID) do loteamento Verana Fortaleza está sobreposta às áreas do Parque Estadual do Cocó e do Parque Natural Municipal das Dunas de Sabiaguaba. 

Ambos são considerados Unidades de Conservação de Proteção Integral, ou seja, a ação do homem é impedida, com exceção de atividades de ecoturismo e pesquisa científica.

Atualmente, conforme o Iphan, "o licenciamento ambiental está em curso" e "até o momento se encontra em situação regular". Contudo, para que o loteamento possa ser viabilizado, "o Instituto aguarda da empresa a apresentação de projeto de avaliação de impacto ao patrimônio arqueológico". O documento é requerido pelo órgão desde janeiro. O Iphan também afirmou que não fez qualquer tipo de embargo à obra.

Já a nota técnica encaminhada em 19 de fevereiro deste ano pelo arqueólogo Thalison dos Santos do Iphan/CE constata que a "a Área Diretamente Afetada-ADA (do loteamento) se sobrepõe à poligonal da APA de Sabiaguaba e a sua Área de Influência Direta (AID) se sobrepõe às áreas do Parque Natural Municipal das Dunas de Sabiaguaba e do Parque Estadual do Cocó".

A AID é um espaço afetado pelos impactos decorrentes de um empreendimento, que ocorrem por causa da sua existência, não por suas atividades. Na visão do biólogo Ivan Diogo, o relatório do Iphan comprova que há uma influência do empreendimento tanto nos parques quanto na APA de Sabiaguaba. "É por isso que qualquer impacto ambiental que ocorrer dentro dessa construção - e claro que vai ocorrer - vai afetar a APA e o parque. Ou seja, é um empreendimento que está completamente errôneo", avalia.

Além disso, o biólogo também considera a impossibilidade da construção do loteamento sem o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) e seu respectivo relatório. "Na APA, pode haver algumas construções, mas construções sustentáveis, de comunidades tradicionais ou pequenas, como já existem, não um loteamento de 50 hectares".

Nesse sábado, o Ministério Público do Ceará (MPCE) recomendou à Prefeitura de Fortaleza e ao Governo do Estado a suspensão de qualquer ato administrativo que venha afetar as unidades de conservação ambiental da região. Caso as recomendações não sejam acatadas, o órgão diz que pode ajuizar Ação Civil Pública.

"Estamos estudando vários artigos e requisitando documentos a fim de ter mais elementos para, se for necessário, propor a Ação Civil Pública, e eles serem suficientes para que o juiz defira a ação", explica a promotora de Justiça Ann Celly Sampaio, uma das autoras da recomendação.

O MPCE também recomendou que o Iphan não conceda anuência das licenças; ao Ibama que "se abstenha de dar anuência a qualquer forma de supressão vegetal"; e à Associação dos Notários e Registradores do Ceará (Anoreg/CE) que remeta a recomendação a todos os Cartórios de Registro de Fortaleza, para que eles "não procedam ao registro do loteamento em questão".

Além disso, o MPCE pediu informações detalhadas sobre a aprovação da construção do loteamento e requereu que a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) e o presidente do Conselho Gestor da Sabiaguaba apresentem, em dez dias, cópia dos procedimentos relacionados ao caso, atas e vídeos das reuniões do Conselho. A Seuma informou, em nota, que "ainda não foi oficializada quanto à manifestação do Ministério Público".

Conforme a promotora Celly Sampaio, "ali tem uma área que não pode ser desmatada sem a autorização do Ibama porque há árvores e resquícios de mata atlântica. Há uma área que, segundo várias pesquisas, há resquícios arqueológicos, que precisa da anuência do Iphan; e também por estar no estuário do Parque do Cocó e da Sabiaguaba precisa de um estudo técnico mais elaborado".

Zonas arqueológicas

A nota técnica do Iphan, datada de fevereiro deste ano, corrobora com a posição do Ministério Público ao indicar que o espaço "abriga cerca de seis sítios arqueológicos". Conforme o órgão, "um deles, o Sabiaguaba II, apresenta a datação mais antiga para a ocupação humana no Estado do Ceará, cerca de 5 mil anos AP", escreve o arquólogo Thalison dos Santos.

De acordo com o Plano de Manejo da Apa e do Parque da Sabiaguaba, a área em que o empreendimento poderá ser construído, se for fortemente antropizada, ou seja, modificada pelo ser humano, poderá provocar "descaracterização profunda da paisagem natural, com interferências que podem comprometer seriamente a sustentabilidade dos ecossistemas".

O Imbróglio

O Conselho Gestor da Sabiaguaba aprovou, na quarta-feira (8), por 14 votos a favor e 2 contrários, a demarcação de um loteamento na Área de Proteção Ambiental da Sabiaguaba. O espaço aprovado ocupará 50 hectares, cerca de 3% do espaço total da APA. No local, deve ser erguido um conjunto de prédios que contará com, aproximadamente, 571 lotes de 300 m², conforme a empresa responsável, a BLD Desenvolvimento Imobiliário.

O Conselho gestor da unidade de conservação tem 20 cadeiras, das quais sete são ocupadas por secretarias ou órgãos vinculados à Prefeitura de Fortaleza; uma pela Câmara Municipal e uma pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente. Além disso, quatro associações de moradores têm representação, além do ICMBio, duas entidades ambientalistas, UFC, Uece, Instituto dos Arquitetos do Brasil e um representante de uma imobiliária da região. O conselheiro Rusty de Sá Barreto, que representa o Ecomuseu da Sabiaguaba, mas na reunião do dia oito não estava presente, disse que, se lá estivesse, teria votado contrário.

"É uma área de grande extensão de mata e várias espécies, com animais e vegetais. Ela também absorve uma gama de benefícios para a população, seja ela local ou municipal", diz o educador ambiental, e complementa: "uma área dessa, como a do empreendimento, independentemente que seja para construção ou uso público, eu seria contra o uso de uma quantidade de área tão grande".

Prefeito

Em nota, o prefeito Roberto Cláudio destacou que o projeto recebeu, "única e exclusivamente, uma inicial aprovação do Conselho Gestor da Sabiaguaba". O prefeito se disse contrário a iniciativas que causem danos ambientais na área. "Não apoio e nunca irei apoiar qualquer empreendimento de ordem privada que possa a vir representar desrespeito aos pressupostos ambientais, agressão ou risco ao Parque do Cocó ou ao Parque Natural Municipal das Dunas da Sabiaguaba", diz texto assinado pelo gestor divulgado nas redes sociais.

A Seuma manteve a nota enviada na sexta-feira (10) ao Sistema Verdes Mares. Segundo a Secretaria, "o terreno não ocupa área de dunas preservadas e não está inserido no Parque Natural Municipal das Dunas de Sabiaguaba e nem no Parque do Cocó". Segundo a Pasta, o Plano de Manejo das unidades de conservação está sendo "cumprido na íntegra".

A Secretaria disse ainda que o projeto ocorre "em terreno privado, com certificação ambiental aprovada pelo Conselho. Questionada sobre a existência do Estudo de Impacto Ambiental, a Pasta se limitou a dizer que "foram apresentados os documentos exigidos legalmente para o processo de aprovação do Parcelamento do Solo na área". O Sistema Verdes Mares entrou em contato com o Ibama e com a BLDb Desenvolvimento Imobiliário, mas não obteve retorno até o fechamento.

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