Mais de 900 estrangeiros têm pedido de refúgio pendente na Capital

Primeiros registros de refugiados em Fortaleza datam dos anos 1990, de acordo com dados da Secretaria Nacional da Justiça; crise internacional

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Legenda: Com dificuldade para conseguir emprego, venezuelanos pedem ajuda
Foto: Foto: Helene Santos

Ali, nas imediações dos semáforos fincados entre as avenidas Domingos Olímpio e Imperador, no Centro de Fortaleza, já circulou um pedaço da Venezuela. Lá na Av. Humberto Monte, no Pici, existiram outros dois. No Terminal do Antônio Bezerra, já passaram vários, grandes e pequenos - adultos e crianças vítimas de uma grave crise humanitária. A nacionalidade era indicada nos cartazes surrados, preenchidos com um português trôpego, expresso em palavras-chave que resumem o que resta de vidas inteiras: "bom dia eu venezuelano pedimo ajuda comprar comida mui obrigado Deus ambensoa brasilero". Assim, sem vírgulas, com erros e esperança.

A capital cearense tem sido um dos principais destinos no Nordeste para estrangeiros que vagam pelas ruas alencarinas na busca de fugir de situações de guerra ou de miséria nos países nativos. Entre 2011 e 2019, mais de mil pessoas solicitaram refúgio em Fortaleza, de acordo com dados oficiais da Secretaria Nacional de Justiça. Até outubro deste ano, conforme informações atualizadas na última quinta-feira (5) pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, 940 deles permaneciam pendentes, aguardando julgamento pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare).

Oito anos atrás, foram registradas pelo Conare apenas seis solicitações, número que aumentou progressivamente e chegou a 508 no ano passado - 84 vezes mais. Atualmente, os venezuelanos lideram os pedidos, seguidos pelos africanos de Guiné-Bissau e pelos cubanos. Também aparecem no levantamento estrangeiros de Angola, Argélia, Argentina, Bangladesh, Benin, Cabo Verde, China, Colômbia, Congo, Egito, El Salvador, Estados Unidos, Gâmbia, Haiti, Iraque, Marrocos, Mauritânia, Ilhas Maurício, Moçambique, Nigéria, Paquistão, Peru, Portugal, República Tcheca, Senegal, Serra Leoa, Síria, Togo, Tunísia e Uruguai.

Demandas

Registros do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) e do Conare mostram que entre 1992 e 2004, pelo menos nove pessoas tiveram o pedido de refúgio na capital cearense reconhecido. Já entre 2014 e 2019, foram 45 deferimentos. De 1992 até outubro deste ano, 101 solicitações foram julgadas pelo Comitê Nacional para os Refugiados.

A diferença entre os números de pedidos de refúgio realizados e julgados é consequência da demora na resolução dos processos. Conforme o órgão, "não há prazo específico" definido. "A análise varia de acordo com a nacionalidade, atualização cadastral, com a história específica de cada um, com a complexidade do caso e com as informações disponíveis do país de origem. Em média, são analisadas em três anos", estima a Pasta federal.

Em Fortaleza, pelo menos sete pedidos, por exemplo, aguardam por reconhecimento do Conare há mais de seis anos; 20 estão ativos desde 2014; mais 82 constam como pendentes há quatro anos, entre outros (lista completa no quadro ao lado). Enquanto isso, garante o Ministério da Justiça, "os solicitantes têm acesso aos direitos básicos à saúde, segurança, educação e mercado de trabalho, como qualquer outro brasileiro".

Na análise de Fabio Gentile, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador de Ciência Política, Fortaleza "não está pronta" para receber essas pessoas, porque "era uma cidade de transição da Venezuela para o Centro Sul do Brasil", mas agora "é o próprio destino". "Não é fácil chegar até São Paulo e Rio, por exemplo, então eles param aqui. Mas as políticas públicas do Ceará e de Fortaleza não parecem ter um conjunto de medidas para conseguir atender a esses refugiados, essa massa de pessoas que vêm precisando, pelo menos, de um abrigo, de uma comida", pontua.

Apesar das deficiências, o Norte e o Nordeste do Brasil se sustentam como destinos porque "ainda conseguem ser melhores do que a Venezuela e outros países de onde os refugiados vêm". "Eles estão saindo de situação de guerra civil nos países. Não têm nada, muitos deles estão à procura dos direitos mínimos para viver. Em Fortaleza, encontram oportunidades, conseguem procurar emprego, trabalhar em obras, por exemplo. Às vezes, ganham menos de um salário mínimo, mas isso já é suficiente para ter algum sustento", avalia Fabio.

Assistência

Um dos locais que assistem os refugiados é a Pastoral do Migrante, da Arquidiocese de Fortaleza, que "atua na escuta das demandas, faz encaminhamentos na regulamentação de documentos e nos serviços de saúde, educação e assistência social", segundo explica Irmã Idalina Pellegrini, missionária da coordenação da pastoral. Ela aponta que os motivos pelos quais estrangeiros fogem de seus países são variáveis, mas a busca por "melhor condição de vida, trabalho, moradia, estudos e segurança" lidera os relatos dos solicitantes de refúgio que chegam às terras cearenses. Mas apenas a mudança geográfica não é garantia para solução de todos os problemas.

"A dificuldade maior para eles é deixar o país sem saber o que vão encontrar, deixar familiares, idosos. Querem muito enviar recursos para a família que ficou passando necessidades no país, e muitas vezes demoram a encontrar um trabalho. Assim como existem no Brasil pessoas acolhedoras, existe também o preconceito pela língua e cor. O documento de refugiado não é conhecido, e às vezes dificulta o acesso a trabalho e escola", lamenta Irmã Idalina.

De acordo com Socorro França, titular da Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS), os imigrantes que chegam a Fortaleza têm recebido assistências social e jurídica, visando a aproximá-los do conceito de cidadania. "Orientamos para regularizar a documentação, sobre o protocolo de refúgio, agendamos encaminhamento para Polícia Federal e para os serviços públicos e, além disso, auxiliamos nos pedidos e renovações de refúgio junto ao Sisconare (sistema para reconhecimento da condição de refugiado). Porque muitos deles não têm acesso a computadores com internet", pontua.

A Pasta também elabora currículos e encaminha os refugiados ou solicitantes de refúgio para capacitações e cadastro no Sine, a fim de inseri-los no mercado de trabalho. As diferenças culturais, porém, se impõem como desafios. "Os Waraos, por exemplo, não se adaptaram, foram embora. Não aceitavam tratamento de saúde nem trabalhar, porque vivem da mendicância. Mas os de outras etnias já estão se adaptando, principalmente com ajuda do trabalho da Pastoral do Migrante", reconhece Socorro França.

Atendimentos

Estão disponíveis três locais de atendimento, em Fortaleza, aos estrangeiros que necessitarem de orientações e auxílios em território cearense. A sede das Coordenadorias Especiais do Governo do Estado (Rua Silva Paulet, 334 – Meireles) é aberta diariamente, atendendo mediante agendamento pelo telefone (85) 3454.2199. Há atendimento semanal na Delegacia de Imigração da Polícia Federal, no Shopping Iguatemi (Av. Washington Soares, 85 – Edson Queiroz); e às terças e quinta-feiras na Pastoral do Migrante, da Arquidiocese de Fortaleza (Av. Dom Manuel, 339 – Centro).

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.