Lojistas aguardam perícia para retirar o que sobrou do fogo

Do início das chamas ao desespero dos comerciantes para tentar recuperar os produtos que sobraram nos escombros

Escrito por Cadu Freitas , cadu.freitas@svm.com.br
Legenda: Alguns dos comerciantes que trabalhavam no Casarão dos Fabricantes quiseram retirar mercadorias do interior do local, mas foram impedidos pelos órgãos de segurança; Secultfor diz que irá realizar vistoria técnica de avaliação
Foto: Marinaldo Lemos

Já não era o fogo que brilhava pelo ar nas ruas do Centro de Fortaleza, o que ardia era o peito dolorido da perda, sob a fumaça que levava consigo os sonhos e os trabalhos árduos - no plural. Mais de 350 pessoas pararam na noite do sábado (5), quando o Casarão dos Fabricantes começou a abrasar por circunstâncias ainda não oficializadas. É que o medo de perder aquilo que te dá o sustento da família faz isto: paralisa e tira o sono.

No dia seguinte, não era difícil encontrar alguém que perdera tudo o que tinha ali, a esperança de salvar o que restou, contudo, esquentava o coração da comerciante Daiane Gonçalves, 28. Há dez anos, ela trabalha no local vendendo peças jeans, mas foi 2020 o ano mais difícil da sua empreitada. Enquanto os efeitos do novo coronavírus estavam sendo sentidos, acontece isto.

"É uma vida, por isso que eu tô desesperada. A gente tem dinheiro parado aí, a gente tá devendo a fabricante, a gente fez empréstimo pra poder se erguer da pandemia e, sabendo que a nossa mercadoria tá aí, a gente quer tirar o que é nosso", exprime. Ela foi uma das poucas comerciantes que teve a sorte de o fogo não ter consumido seu material de trabalho. O incêndio começou na frente do prédio, o seu box ficava no fim.

Um grupo de lojistas até conseguiu retirar um pouco do que restou, seja por entre as chamas, no sábado; após o fogo estar controlado, no domingo; ou pulando um espaço vazio nos fundos do empreendimento, arriscando a própria vida por aquilo que a proporciona. A questão é que a segurança ainda não é garantida pelo Corpo de Bombeiros.

Perícia

"O incêndio já foi extinto, ainda tem alguma fumaça lá dentro, mas a gente está aguardando a entrada da perícia - até para ela entrar, porque tem alguns locais que ainda estão aquecidos. A perícia vai fazer o levantamento das condições estruturais e de segurança em si", explica o comandante do setor de engenharia da corporação militar, tenente-coronel Wagner Maia. A equipe técnica deve ir ao local nesta segunda-feira (6) para avaliar a estrutura física e os perigos.

O prédio centenário, erguido na primeira metade do século XIX, corre risco de desabar completamente em razão do fogo, o qual atingiu pilares, vigas e chegou a contorcer a estrutura metálica. O teto ruiu, e as colunas de sustentação lembram ruínas de algo que já existiu. A melhor memória fica retida no azul da fachada, que salta aos olhos de quem anda pela Avenida Alberto Nepomuceno.

Conhecido antigamente como Palacete da Avenida Central, o processo de tombamento do prédio está em análise, segundo a Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor). A partir do ocorrido, a Pasta irá "realizar vistoria técnica para a avaliação do estado do bem e elaborar diretrizes específicas adequadas, visando manter características originais históricas e a manutenção do acautelamento do Patrimônio histórico-cultural de Fortaleza".

 

Ao seu redor, há outros prédios de importância histórica e econômica para a Capital. Além da Catedral Metropolitana de Fortaleza, o Casarão ladeia o Mercado Central. Na noite do fogaréu, era um receio duplo das equipes de controle de incêndio: salvar o local em chamas e impedir que ele se alastrasse. Deu certo. Foram utilizados cerca de 10 mil litros de água para controlar as labaredas.

Agora, conforme Wagner Maia, é momento de esperar. "Se eu for movimentar alguma coisa, eu posso tirar a estabilidade que ele se encontra agora e aí a gente tem um problema. Para não acontecer isso, a gente vai aguardar a avaliação técnica da perícia e ter condições seguras e estáveis pra retirar alguma coisa".

A causa

Os bombeiros ainda não sabem informar com precisão o que causou o incêndio de grandes proporções no local. As informações que surgiram em um grupo online de permissionários do Casarão são de que uma obra estaria sendo realizada de forma irregular. Lojistas disseram que estava sendo feito um processo de solda em um box na parte frontal da edificação.

De acordo com a comerciante Laice Bezerra, cujas mercadorias não foram totalmente destruídas pelas chamas, "na hora em que começou o incêndio, o porteiro, que não sabia de nada, foi lá, tentou apagar o fogo, mas não conseguiu". A responsabilidade de seguir as normas sanitárias contra a Covid-19 também pode ter ajudado a alimentar o sinistro, uma vez que todos os boxes tinham álcool para higienização das mãos.

Contudo, a lojista afirma que "a segurança do Casarão sempre foi muito boa. Tanto que quando a gente ia fazer alguma obra, era obrigatório pedir autorização à administração. E sempre alguém da administração acompanhava a obra. Sempre foi desse jeito", lembra, ao ressaltar que a parte elétrica do prédio "foi toda refeita".

Com a certa paralisação das atividades no local, outra certeza que ecoa do grupo de comerciantes "é ir pro chão". Eles até já se organizam para levarem à rua a parceria interna e a confiança que existia no interior do Casarão. Daiane Gonçalves já tem certeza de quais são seus próximos passos: "aquilo ali é a nossa vida também. É o nosso ganha-pão. É da onde eu tiro o sustento da minha mãe, do meu filho. Tem que fazer feira, ir pro chão, se sustentar, pagar as contas, porque ninguém vai entender a minha situação se eu atrasar uma conta".

O prédio centenário pegou fogo no sábado (5) e deu prejuízo a, pelo menos, 350 lojistas que tinham boxes de venda de artigos de confecção. Alguns deles tentaram retirar parte do que sobrou a fim de tentar se reerguer, após o período crítico da pandemia.

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