Idosos cearenses se reinventam e relatam saudade da rotina enquanto esperam o fim da pandemia

Especialista alerta para cuidados em prevenção às doenças emocionais e físicas durante o confinamento

Escrito por Redação ,
Idosos isolamento
Foto: Shutterstock

“Sinto muita falta de abraçar todo mundo”. É com essa declaração que a aposentada Graciana David de Meneses Cordeiro, de 70 anos, relembra a vida de encontros entre amigos e familiares antes parte da rotina pré-pandêmica. Como Graciana, milhares de outros idosos ficaram reclusos em casa neste período para a própria proteção.  

O contato físico, tão importante para os mais velhos, principalmente, precisou dar espaço a outros formatos de comunicação durante a crise devido ao risco de contaminação e o agravamento dos sintomas nesta faixa etária específica. No Ceará, até às 9h42 desta quarta-feira (31), 93.499 idosos, de 60 anos até mais de 80, testaram positivo para a Covid-19. Em número de óbitos, a faixa etária registrou 10.802 durante as duas ondas da doença. 

Antes das restrições, Graciana conta que costumava reunir a família para almoços durante a semana, além de seguir uma lista de compromissos religiosos junto com marido, em um grupo da igreja.

“Tínhamos muitas responsabilidades na igreja, principalmente, como levar a eucaristia aos enfermos. No grupo franciscano também tínhamos encontros sociais, aniversários, Natal, páscoa, etc. É como uma grande família de amigos”.

Do mesmo modo, a também aposentada Maria Herly Vieira Coelho, de 69 anos, parou com as atividades presenciais, ainda no começo da pandemia. “Eu caminhava, ia para a missa, para o coral dos aposentados do Estado, ia à academia. Sempre fui muito ativa. E mesmo em casa, eu não paro: acordo às 7h e durmo 23h, depois de fazer minhas obrigações”, coloca.

Atividades em casa

Em casa, no bairro Meireles, em Fortaleza, Graciana procurou atividades para completar os dias. “Pausei as aulas presenciais de piano e canto. Mas, procuro fazer o que gosto: costurar, fazer artes, cantar, ler, escrever poemas, fazer crochê. Já as minhas orações, assim como os encontros com os grupos, acontecem online. Fazemos muitos estudos, formações, é uma bênção”, relata.

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A aposentada também precisou dar continuidade às aulas de ginástica após uma prescrição médica. “A instrutora vinha na minha casa antes, mas agora, nesses tempos mais castigados, eu acompanho as aulas por live. Já hoje eu fiz, amanhã tem novamente, e eu não vejo diferença na pontualidade e profissionalismo”. 

Já Maria se considera uma “aposentada doméstica”. “Eu que preparo todas as refeições, coloco roupa para lavar, estendo e guardo. Isso ocupa meu tempo. Quando tenho uma folguinha, vou para a televisão assistir aos meus programas católicos”, conta. 

Isolada com o marido e uma das filhas que se prepara para uma mudança, Maria tem evitado ir aos supermercados durante o período de lockdown. “Só vou quando é necessário escolher alguma coisa. Fora isso, fazemos pedido pelo telefone”. Das atividades que mais sente falta, Maria elenca, primeiro, as que fazia em grupo, com amigos. “Sinto falta das idas ao Coral e à missa. Sempre era muito bom”. 

Família

Embora os filhos, netos, genros e as noras tenham se afastado para proteção de Graciana e do marido, a idosa diz que eles estão sempre a postos para ajudar no que for necessário. “Para levar ao médico, exames se precisar, alguma coisa assim. Outra filha está sempre ali para acolher. E isso tem muito do que eu ensinei a eles: há momentos na vida que nós vamos precisar parar e obedecer. E eles deram essa prova nesse momento tão difícil”.

“Claro que houve um baque emocional, momentos de choro e de tristeza nesses tempos, principalmente pela distância da família. Mas, mesmo à distância, se já éramos próximos antes, nós ficamos ainda mais envolvidos”, declara.

Graciana com os familiares em momento antes da pandemia
Legenda: Graciana com os familiares em confraternização antes da pandemia
Foto: Arquivo pessoal

Graciana recebeu a primeira dose da vacina contra a Covid-19 na segunda-feira (29) e o momento foi motivo de comemoração no grupo da família. “Minha filha chorou e todos comemoraram esse momento. Foi muito bonito”.

“Quando esse momento tão difícil passar, quero voltar para as minhas atividades, nos meus grupos. A minha fé está mais alimentada do que nunca. Quero abraçar e beijar todos os meus amigos. Eu sinto saudades das pessoas pois eu sou alguém que tenho o coração muito grande e amo sem restrição”, detalha.

Confinamento afetar a saúde mental de idosos

De acordo com o professor adjunto da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenador do departamento de Psicogeriatria da Associação Brasileira de Psiquiatria, Gilberto Sousa Alves, alguns estudos apontam que idosos em situação de confinamento podem ter repercussões na saúde mental. “Sensação de depressão, baixa autoestima, desmotivação, perda da energia física e mental e perda da iniciativa da realização de tarefas”, enumera.

Há, também, sintomas decorrentes da falta de humor citada que impactam nas questões afetivas, físicas e vegetativas. “Falta de concentração, perturbação do sono, distraibilidade, perda de objetos frequentemente, sensação de memória não tão boa e maior isolamento são consequência”. 

No entanto, o especialista pontua que a faixa etária idosa é heterogênea. “Nós temos idosos com grande independência e autonomia para atividades e outros precisam de cuidados de terceiros. Então, os impactos da pandemia vão incidir de maneiras diferentes nos grupos, conforme o grau de autonomia deles”, diz.

Em relação à saúde física dos mais velhos, Gilberto menciona que, ao deixar de fazer tarefas diárias, como ir ao banco, o idoso pode ter um impacto no condicionamento físico.

“Após alguns meses de confinamento, já se observa idosos com perda do vigor muscular, com redução da massa magra no corpo, perda de peso e da força muscular. Nos idosos com doenças crônicas, articulares, oncológicas, a demência, que já tinham um certo comprometimento, se acentuou de forma importante. Esse é o grupo que sofre maior impacto, que pode chegar a perder a autonomia para atividades básicas durante o isolamento”, alerta.

Orientações

Dentre as maneiras de evitar um quadro depressivo e ansioso, o especialista cita a manutenção de uma rotina diária de atividades, tanto as domésticas como as físicas, uma de baixo impacto, que não gere uma queda ou lesão; uma rotina regular de contato social pelas mídias com os familiares e pessoas próximas, além de promover a leitura e a conversas sobre pautas positivas, como ajudar pessoas, fazer correntes de espiritualidades, promover o bem repercute positivamente no cérebro; evitar o foco excessivo que apenas enfatiza a mortalidade, notícias negativas e muita exposição à TV; outro aspecto é o controle adequado do sono, sem consumo excessivo de álcool e tabaco, isso é muito importante na prevenção da ansiedade e depressão.

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