Fim de contrato encerra projeto social para jovens em Fortaleza; prefeitura promete retomar

Projeto também inclui aulas de capoeira, basquete e outros esportes

Escrito por Redação ,
Além de treino de futebol, o projeto Atleta Cidadão oferecia aulas de outros esportes
Legenda: Além de treino de futebol, o projeto Atleta Cidadão oferecia aulas de outros esportes
Foto: Thiago Gadelha

Por morar próximo da Areninha do bairro Parque Dois Irmãos, os filhos de Fabiana Pereira Alves (35) não perdiam nenhuma aula do projeto Atleta Cidadão, feito a partir de uma parceria entre a Secretaria de Esporte e Lazer de Fortaleza (Secel) e a Federação de Triathlon do Estado do Ceará (Fetriece). Pelo menos três vezes durante a semana os dois adolescentes, Jennyfer Layane (14) e Kaynan Gabriel (12), tinham aula de futebol gratuitas com educadores físicos a poucas ruas de casa.

A iniciativa, que atendia outras 8.500 crianças e adolescentes em 155 núcleos espalhados por Fortaleza, foi realizada de 2014 até dezembro de 2020, até o encerramento do contrato. Os trabalhos, contudo, deverão ser retomados com a realização de um Chamamento Público, para que todas as entidades esportivas do Estado participassem da seleção. Segundo a Secel, esta é uma "forma de garantir maior transparência, eficiência, isonomia, seguridade, publicidade e participação de outras entidades", incluindo a própria Fetriece.

Além de treino de futebol, o projeto também inclui aulas de capoeira, hóquei, judô, triathlon, natação, futebol de areia, karatê, basquete, badminton e voleibol. Também eram programados passeios, filmes, palestras e festivais esportivos.

Retorno com mais esportes e mais beneficiados

De acordo com a secretaria, o projeto era executado nos anos anteriores por meio de Dispensa de Chamamento Público, "permitido e amparado pela lei 13.019/2014". Agora, a Secel "tem o objetivo de ampliar o projeto, que agora beneficiará mais de 9 mil crianças e adolescentes e ainda incluirá outras modalidades esportivas". Enquanto o novo contrato não é celebrado, os alunos têm horário garantido para a prática de esportes nas Areninhas “durante o período e trâmite legal da escolha da entidade do Projeto”. 

Wanderlângia de Oliveira Barbosa (29) ainda não contou para o filho Rhyan, de 8 anos, que o projeto foi suspenso
Legenda: Wanderlângia de Oliveira Barbosa (29) ainda não contou para o filho Rhyan, de 8 anos, que o projeto foi suspenso
Foto: Thiago Gadelha

Sem lazer em tempos de pandemia

Apesar da promessa de retomada, a pausa desagradou famílias beneficiadas, “A gente ficou muito triste, é o canto de lazer que as crianças têm pra se divertir. Acho que não é só eu não, outras mães também ficaram muito tristes”, relata Fabiana. A auxiliar de costura explica que não confia em deixar os filhos frequentarem o espaço da Areninha sem a presença dos professores do projeto.

Agora, com as aulas do colégio ainda remotas, os dois passam o tempo todo em casa. Como alternativa para não deixá-los sozinhos, ela optou por mandar Jennyfer à casa da avó, no interior do Estado, e Kaynan a acompanha nos turnos de trabalho.

Já Wanderlângia de Oliveira Barbosa (29) ainda não contou para o filho, Rhyan, de 8 anos, que o projeto passará por essa pausa. “Ele era muito empolgado, chegava no dia e no horário. Ele já se arrumava só. Já ficava pronto me esperando chegar do trabalho”, relata.

Wanderlângia explica que adolescentes mais velhos e adultos acabam ocupando todos os horários disponíveis da Areninha Guajiru, onde Rhyan frequentava, e não sobra tempo para as crianças menores, que precisam ir acompanhadas dos pais nos horários que estes não estão trabalhando.

Com o filho em casa a maior parte do tempo, a mãe de Rhyan não vê outra solução a não ser deixar o filho brincar na rua
Legenda: Com o filho em casa a maior parte do tempo, a mãe de Rhyan não vê outra solução a não ser deixar o filho brincar na rua
Foto: Thiago Gadelha

Com o filho em casa a maior parte do tempo, já que a escola na qual é matriculado ainda está em período de férias e terá aulas remotas, a auxiliar de produção não vê outra solução a não ser deixar Rhyan brincar na rua.

“Não tem como eu não deixar ele brincar um pouco na rua. Mas eu não fico sossegada. Como tá muito perigoso, só deixo na minha rua. Tenho medo de que passe uma moto muito rápido ou que ele desça pra um pouco mais longe”, relata.

“Nós tínhamos uma certeza que esse projeto seria renovado automaticamente no final do ano, pelo impacto”, diz Fernando Filho, ex-treinador do Ferroviário Atlético Clube que atuava como professor do projeto. “Isso nos decepcionou porque vai deixar essas crianças três, quatro meses sem assistência”.

Assim como os outros 196 funcionários do projeto, Fernando também deixou o projeto com a suspensão das atividades e fim do contrato da Prefeitura com a Fetriece. “Eu creio que muitos professores que atuam, que tem experiência dentro do projeto, não voltarão. Porque o professor não pode estar esperando três, quatro meses para voltar a trabalhar”, opina.

Em nota, a Secel informou que os profissionais não ficaram desamparados, "pois os mesmos estão recebendo o seguro desemprego". Além disso, "as crianças e jovens continuam tendo espaço para a prática esportiva garantida dentro das 74 Areninhas". A secretaria destaca ainda que "em caso de dificuldade para o uso do equipamento, a Secel se disponibiliza para atender e resolver essa e outras demandas".

Vínculo quebrado

O professor Fernando Filho também lamenta o vínculo quebrado com as famílias atendidas. “Você passa a ser uma pessoa de confiança pra família daquelas crianças”. Fernando lembra de momentos de confraternização e de grandes conquistas compartilhadas, como quando um aluno do projeto foi jogar profissionalmente na Polônia e outro foi contratado na categoria de base do Fortaleza.

“Além de você dar a parte de entretenimento, você está gerando uma oportunidade que esse menino possa ter um futuro como profissional”, diz

Sem o projeto e com as aulas do colégio ainda remotas, as crianças agora passam o tempo todo em casa
Legenda: Sem o projeto e com as aulas do colégio ainda remotas, as crianças agora passam o tempo todo em casa
Foto: Thiago Gadelha

Motivos da suspensão

“Ele [o projeto] não parou, não acabou. Ele teve uma pausa por questões administrativas da prefeitura”, explica a antiga coordenadora do Atleta Cidadão, Dyonnara Farias. A educadora física relata que, após o período previsto na primeira licitação, iniciada em 2014, o projeto continuou por meio de termos de fomento, assinados em 2016 e 2018, com duração de dois anos cada.

A Secel destacou que "todos os prazos estão sendo devidamente seguidos e com isso as atividades serão retomadas no prazo estabelecido de até 60 dias".

Cícera Mapurunga, advogada da Fetriece, explica que o projeto acontecia de forma regularizada e que, quando o chamamento público for realizado, a Fetriece deve concorrer novamente.

“O projeto nunca teve problema de execução, os professores todos foram muito empenhados, as aulas aconteciam nos horários pré-determinados nas Areninhas, nunca houve atraso de pagamento. O projeto realmente funcionava e tinha uma belíssima execução em quase todos os bairros de Fortaleza”, defende.

Dyonnara defende a continuidade do projeto. “Porque hoje o Atleta Cidadão é uma política que deu uma referência muito boa na cidade, com relação às areninhas, à inclusão”, diz. 

Projeto Criança Cidadã

Outro projeto realizado em parceria entre a Fetriece e a Prefeitura, por meio da Fundação da Criança e Família Cidadã (Funci), é o Criança Cidadã. Com foco em crianças de 2 a 6 anos, a iniciativa promovia atividades esportivas para estimular o desenvolvimento psicomotor, psicológico e cognitivo dos alunos.

O Criança Cidadã foi incluído no Marco Legal da Primeira Infância, sancionado pelo ex-prefeito Roberto Cláudio em dezembro de 2020. A lei serve para consolidar este e outros programas direcionados ao desenvolvimento infantil como políticas públicas permanentes. No entanto, com o fim do projeto em 2020, ainda não há data para o retorno das atividades. Questionada sobre a continuidade da política, a Prefeitura não enviou resposta até a publicação desta reportagem.

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