Escolas democratizam o balé nas periferias

Escrito por Redação ,
Legenda: Apesar das aulas de dança serem gratuitas, o diferencial da formação nas escolas, situadas em bairros mais pobres, é a qualidade: muitos professores vieram de Academias tradicionais
Foto: Foto: Marília Camelo
Através da arte, crianças dançam na ponta dos pés ensaiando um novo futuro, com mais oportunidades

Meia ponta, "flex" e estica. Enquanto os pés se movimentam nos ensaios da dança clássica, a mente e os sonhos ganham o mundo. O balé tem virado oportunidade de futuro, de realização pessoal e profissional para centenas de crianças e adolescentes das periferias de Fortaleza. As Academias se espalham por localidades mais pobres, democratizando o acesso ao aprendizado. Muitas oferecem bolsas, dão aulas gratuitas àqueles que, sem apoio, talvez não pudessem frequentar espaços ainda tidos como elitistas.

Nos passos do "plié", os jovens bailarinos enfrentam as adversidades sociais da miséria, da fome e da violência. Ensaiam e dançam um novo futuro. Exemplos desta democratização são: o Projeto Vidança, coordenado por Anália Timbó, no bairro Vila Velha; o Grupo Bailarinos de Cristo (BCAD), no Bairro Bela Vista, orientado por Janne Ruth; a Escola Hugo Bianchi e o Centro Cultural de Arte e Cultura do Bairro Bom Jardim.

Para a garota franzina, moradora do Bom Jardim, Tainá Mendes, 16, o grande diferencial da formação do Centro Cultural, por exemplo, é a qualidade dos professores. "A gente não está aqui fingindo que aprende, fazendo bonitinho. As aulas são gratuitas, mas são melhores até que nas particulares", diz.

Entre as bailarinas há um consenso: o balé é capaz de mudar a vida de todos e até diminuir a violência no Bom Jardim, bairro tão estigmatizado pelas estatísticas de assassinato e tráfico. "A dança é um refúgio que elas encontraram para fugir de tantas barbaridades que presenciam", explica a professora do Centro, Katiana Moraes, 28, ex-aluna da Companhia Edisca.

A dança também tomou conta das ruas do Bairro Vila Velha. Patrick Quirino, 8, atravessa diariamente a Avenida L vestido com meião e calçado de sapatilhas. A rotina do estudante hoje é diferente, passa todas as suas tardes na Escola Vidança se alongando, treinando e sonhando virar um bailarino profissional.

Antes ele ficava à toa, nos becos e esquinas fazendo nada. A mãe do garoto não deixa ele largar o balé, teme que fique igual ao irmão, envolvido com gangues e traficantes. Patrick é obediente à sua genitora, não falta uma só aula, aprendeu à ler ao mesmo tempo em que deu os primeiros passos coreografados. "Quando tenho medo de algo, corro para o Vidança e me sinto seguro e feliz", relata. Anália Timbó diz que no Projeto os atendidos não só aprendem a bailar. "Porque na Vila Velha a vida é difícil para as crianças e jovens, os moços e os adultos do lugar, ficou imprescindível dançar. E por uma justeza ética, se teve de dar forma a esse amor. Daí, veio a Escola de Dança do Vidança", comenta.

O QUE ELES PENSAM
Novas oportunidades de futuro

"Em atividade desde 1966, a Escola Hugo Bianchi já formou bem mais que 10 mil bailarinas, tantas meninas mais ricas como mais pobres. O que torna todas iguais é a garra e a vontade de se tornarem as melhores, de subirem no palco e mostrarem todo o esforço e dedicação. Ou nas periferias ou em escolas particulares e elitizadas, a dança apaixona do mesmo jeito. Hoje, oferecemos bolsas para incluir aquelas que não podem pagar, dando assim mais chance de um futuro promissor, sem exclusão".

Hugo Bianchi,
Bailarino

"Verifica-se um crescimento na disponibilização de acesso às vivências nas mais diversas linguagens artísticas. O mérito dessa quebra de paradigma está no 3º setor que saiu na frente oferecendo aos filhos dos pobres oportunidades reais para um desenvolvimento pleno e sensível. Qualquer um que passe por estas vivências reconhecerá em si e nos outros capacidades, e na busca por aprimoramento terá um perfil e solidez capaz de assegurar o ingresso e permanência no mundo produtivo".

Dora Andrade, Idealizadora da Edisca

SUPERAÇÃO
Crianças dão saltos na dança e na vida

Basta a música clássica tocar, a professora dá as primeiras orientações e os problemas ficam para trás. Este é o sentimento da bailarina Regilany Fabrício, 16, do Grupo BCAD. Apesar das adversidades, da falta de dinheiro e apoio, ela não desiste, enfrenta os desafios do cotidiano dançando e se superando.

Junto com o Grupo, ela já montou diversos espetáculos, viajou para outros estados e países. Hoje, Regilany Fabrício comemora mais uma vitória: ganhou uma bolsa para estudar dança fora do Brasil, em Miami.

A garota sonha em fazer parte do Balé Municipal do Rio de Janeiro; tem entusiasmo, mas falta verba. As sapatilhas caras, as plumas e paetês não cabem no orçamento da pobre família. “Eu sonho alto, penso num futuro diferente. Não quero ser babá ou empregada doméstica como outras amigas minhas, mas sim bailarina”, afirma.

Para o professor Elcir Rocha, 29, o balé mais próximo das periferias tem a potencialidade de afastar os problemas tão comuns ao cotidiano dos bairros pobres: a exploração sexual, os maus-tratos, o alcoolismo e o tráfico. “A saída é encarar estas problemáticas como desafios a serem superados através da arte e da satisfação”, explica.

IVNA GIRÃO
REPÓRTER
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